Juninho Pernambucano: O Reizinho – Por Marcelo Guido

Por Marcelo Guido

A magia da bola, os campos gramados riscados a cal, as marcas fatais a idolatria merecida; o futebol fabrica e mostra os abençoados com o dom divino de tratar bem a pelota. E foi assim que Antônio Augusto Ribeiro Reis Junior veio para o mundo.

Tendo seus pés magistralmente moldados, como se fossem fabricados com o único objetivo de extasiar multidões e fazer sorrir os admiradores do bom futebol.

Honrou as camisas do Sport, Lyon, Al- Gharafa, New York Red Bulls, mas fez do Vasco da Gama seu Reino.

Cerebral, comandava como poucos a nau vascaína, com passes precisos e uma pontaria que parecia calibrada à mão. Juninho fazia a bola viajar para os fundos das redes com um capricho singular.

Três passagens por São Januário o imortalizaram na colina. A torcida – sua mais fiel corte – canta seu nome ainda hoje. Monumental como deve ser lembrado. Três estreias com gols marcantes: 1995 contra o Santos, 2011 contra o Corinthians (esse no seu primeiro toque na bola) e 2013 contra o Fluminense. Sem modéstia, vi os três.

A vontade sempre mostrada em campo, eram as suas credenciais, ao convocar seu exército para luta, batendo no peito como um verdadeiro rei, para conquistar a virada histórica em pleno Parque Antártica, ou calar um estádio Hermano inteiro em 1998, abrindo caminho para a conquista da América. Mandar com dedo em riste a torcida tricolor sair do lugar conquistado por direito pela torcida vascaína. Juninho não vestia à toa a camisa da Cruz de Malta. Ele a encarnava como segunda pele.

Por desmandos de dirigentes, saiu como campeão brasileiro e foi conquistar a França. Oito títulos nacionais em oito anos com a camisa olímpica. Tornando-se ídolo imortal também por lá.

De volta ao Brasil, para sua raiz. Ser Vasco o fez, em um mundo milionário, jogar por salário mínimo (só o amor explica certas coisas). Bicampeão Brasileiro, Campeão da Libertadores, Campeão Copa Mercosul, Campeão do Torneio Rio – São Paulo, Campeão Carioca. Quando as pernas não aguentaram mais o ritmo, Juninho preferiu sair a macular sua história.

Para ele, jogar era para vencer e não iludir quem sempre lhe quis bem.

Conquistou o Nordeste e o Pernambucano com o Sport também, levantou troféus com todas as camisas que vestiu: 33 canecos no total. Foram 202 gols em 839 jogos. Considerado o maior cobrador de faltas do futebol mundial.

Juninho era a elegância extrema dentro das quatro linhas, era a inteligência a serviço do espetáculo. E acima de tudo, o suor e a garra podiam ser sempre sentidos pela torcida.

Sem medo de ser leviano, um dos maiores jogadores que pude ver jogar. Ao se despedir do futebol, soube da saída de alguém que nasceu para vestir a camisa do Vasco.

Mais que um jogador de futebol, um ser pensante que nunca se privou de dar sua opinião. Ao se despedir da seleção, disse que espaço deveria ser dado aos novos talentos e que o ego deveria ser deixado de lado. Peitou o próprio Eurico Miranda para ser respeitado no Vasco. Saiu da rede Globo por não concordar com a maneira como a emissora via os clubes de futebol – sempre para favorecimento de alguns clubes, em detrimento de outros.

Um ponto de vista sempre coeso pelas causas humanitárias, duro e preciso contra o nazismo crescente e latente em todos os lugares, faz dele com certeza um ser humano ímpar.

Mais do que tudo, um símbolo de resistência, coisa que o futebol moderno não consegue ver em seus craques.

Juninho fez da Cruz de Malta seu coração e, como um verdadeiro Rei, honrou-a como muito poucos fizeram. Talvez ele tenha saído para ser exemplo, mas voltou por amor e seu lugar está garantido no coração de todo vascaíno.

Vida longa ao Rei e que sua memória nunca seja esquecida. Pelas bênçãos de São Januário, saiba que a colina sempre será sua morada.

Homens-peixe II – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Depois da grande enchente de 1996 do rio Tamanduateí que alagou as ruas próximas ao Mercado Municipal, trazendo grande alta no preço dos gêneros alimentícios que abastecem São Paulo, foi que os Homens-peixe começaram a aparecer pela cidade.

De início, sentados sob as pontes, nas calçadas das ruas sempre próximas ao Tiete, Anhangabaú, Tamanduateí e outros riachos, hoje transformados em grandes valas putrefatas, resultados das tentativas inúteis de reprogramar o curso antigo dos rios.

Não se passaram alguns meses, para que estes se agrupassem e começassem a se espalhar e se empilhar pelas praças, ao redor de monumentos e outros lugares públicos.

Pareciam mudos. Ninguém os ouvia falar. Ficavam tocando um no outro. Repartiam a comida que os motoristas atiravam pela janela dos carros. E o lixo se amontoava em qualquer lugar que estivessem. Com o lixo vieram os ratos, as baratas, as moscas, e o cheiro forte que não parecia incomodá-los.

As Campanhas de Saúde do Governo visavam apanhá-los e submetê-los a um banho químico, extração das escamas sujas, lixamento das presas enormes em alguns e outros exames biológicos, para a avaliação do DNA possivelmente humano.

Identificar a mutação.

Os jornais estampavam “Os Homens-peixe oriundos de Atlântida” empestam a cidade. São Paulo se tornara a capital mundial do Turismo Mutacional.

Diariamente chegavam vôos fretados com turistas vindos de todo o mundo. Espalhados pela cidade, fotografavam, distribuíam comida e atiravam guarda chuvas, bermudas, cobertores de plásticos, latas de cerveja, ração de tartaruga, comida de peixe e protetores solares.

O trânsito piorou múltiplas vezes e prosperaram as lojas de aluguel de carros. Por outro lado as placas de orientação das vias públicas ganharam a indicação em várias línguas, inclusive o Esperanto.

Guias turísticos saiam da Praça da Sé seguindo o curso da água represada de São Paulo e mostravam os grupos de Homens-peixe

sempre preguiçosamente fugindo do sol, reunidos sob arbustos provavelmente para se protegerem do calor que os ressecava e aumentava o cheiro característico de amônia que exalavam. Houve reurbanização destes locais e grandes vasos com palmeiras foram colocados pela prefeitura para criar sombra, o que era um balsamo para eles. Caminhões-pipa passavam periodicamente jogando jatos d’água sobre eles que alegres rolavam no chão e grunhiam.

Colocou-se um cordão de isolamento a certa distância dos grupos para protegê-los da fumaça tóxica dos carros, caminhões e outros veículos. Os caminhões, por poluírem muito, tinham sido responsabilizados pela morte exagerada dos que migraram da perimetral do Mercado Municipal para a Praça da República. Por fim foi proibida a venda de sorvetes, picolés, salgadinhos e outros alimentos embalados em plásticos que os Homens-peixe engoliam e morriam engasgados como baleias e golfinhos.

Os que faleciam eram levados para o IML onde eram submetidos a inúmeros procedimentos investigativos.

Incontáveis curiosidades sobre os Homens-peixe foram publicadas.

Palestrantes renomados. Entidades científicas. Personalidades do mundo Universitário. Definiam com variadas teorias suas origens.

Quiçá uma fenda do mundo aquático os trouxe. Talvez após um grande Tsunami. Quem sabe a longitude e a latitude de cidade semelhante à de Atlântida. E por que São Paulo?

Pelo alto teor de poluição. Pelo cheiro de enxofre de São Paulo à semelhança ao cheiro de enxofre das profundezas. Mesmo assim a poluição lhes era fatal. Eram muitos os que morriam. E não havia crianças entre eles.

Não havia exemplares do sexo feminino. Observou-se também que não brigavam. A tranquilidade entre os participantes dos grupos é devida a isto. Já nascem adultos do sexo masculino. Isso quem declarou foi um importante pesquisador na área de conflitos familiares que não quis se identificar.

Mas se multiplicavam. Como se reproduziam sem fêmeas? – perguntavam os cientistas nos programas de maior audiência nos canais de TV. Nas publicações científicas, nos jornais.

De repente algo estranho começou a acontecer. Os garis da Prefeitura que faziam a limpeza da área central da cidade e conviviam praticamente todo o dia com os Homens-peixe, começaram a engordar. Todos eles ganharam muito peso. E perderam seus pelos. Todos os pelos. Humanos sem cílios. Sem pelos nos braços e pernas. Carecas. Mais tarde seus filhos e esposas e mais tarde quem com eles morassem.

Descobriu-se por fim que ao limpar a área em que habitavam os Homens-peixe os garis juntavam aqueles punhados de massa branca idêntica às partes fragmentadas de uma colmeia que se criavam ao lado dos Homens-peixe. E as levavam para casa.

Esta massa branca era comida pela família e os engordavam a todos em demasia. Segundo alguns entrevistados pela mídia tinha o gosto de um hambúrguer.

Análise após análise foi descoberto que o produto recolhido era rico em hormônios femininos e masculinos e continha alto teor calórico. E abundava em proteínas. Eram ovas. Descoberto o segredo da reprodução deles. Os Homens-peixes não faziam sexo. Eram assexuados e punham ovos.

* Do livro de Contos Antena de Arame – Rumo Editorial 2° Edição – 2018

Gigantes – Conto firmeza de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Eu brincava com bolhas de sabão quando vieram os gigantes, cada um deles trazia outros pequenos gigantes, que pensei serem seus filhos, mas soube mais tarde que faziam parte de um circo, em que as pessoas nasciam sempre com mais de cinco metros.

Sinos da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, localizada no bairro do Trem, zona Sul de Macapá – Foto: Elton Tavares.

Eu vi quando um deles menorzinho, mas muito, muito grande, quebrou a torre da igreja e derrubou o sino que nos chamava para a missa nos dias de Domingo. O sino era verde por dentro, cheio de limo e espalhou este verde por muitos lugares.

Minha mãe assustou-se com a chegada dos grandes gigantes, não catou mais feijão,,não se demorou mais indo ao poço apanhar água, nem foi mais a casa de Dona Maricota, que era pertinho então eu pensei que estavam de mal. O cego Faustino que costumava sacudir a cuia com moedas cantarolando gemidos e quase uivos, agora pedia com um mexer de lábios. Tinha medo de com os seus lamentos, acordar os gigantes.

Eles ficavam na frente da televisão, riam e roíam as unhas e mexiam com as mãos entre os cabelos, depois atiravam no chão uns piolhões que possuíam o tamanho do carro de boi de Seu Jaime. Os piolhões corriam e começavam a cavar ate desaparecem entre a terra que ficava fofa e amontoada formando um morro, que depois subíamos. Era tal como escalar uma montanha.

Os gigantes apesar do fedor que exalavam, fomos nos acostumando com eles. Muitas vezes eu vi Seu Faustino entre os dedos dos seus pés, catando moedas. Ate mesmo os cavalos dos que apeavam a frente da venda de Quele, pastavam encostados aos pelos de suas pernas. Eu voltei a brincar com as bolhas de sabão e mamãe voltou a atravessar dois quintais para ir a prosa com Maricota, bastava entardecer.

Eu já tecia paneiros que vendia para os pescadores do Porto, quando os gigantes foram embora. Os menorzinho estavam pálidos e saíram arrastando os maiores e deixando enormes valados que acabaram por derrubar os montes abrir crateras e fazer com que aqueles piolhões pulassem de volta para o corpo deles.

O cego iniciou a cantar lamentos para pedir moedas e eu comecei a tecer enormes caixões de cipós e folhas de açaí, de maneira que para quem olhava de longe já não enxergava mais minha casa e nem mamãe conseguia sair para ir ao poço apanhar água e nem ouvia mais Dona Maricota gritar.

Ô vizinha!-Ô vizinha!

Dentro de casa era sempre escuro porque os enormes caixões impediam a entrada da luz do sol.E eu não conseguia parar de tece-los. Certa vez eu deitei dentro de um e morri.

Mamãe gritou tanto que estranhamente voltarão os gigantes e os piolhões. Agora tão pequenos, que para vê-los, ela precisou da lente dos seus óculos, uma sobre a outra. Ela se afeiçoou a eles. Passaram o resto de suas vidas, falando da minha vida aventureira e cristã.

E tecendo minúsculos paneiros e caixões. Construíram um sino de cipó, que todos os Domingos toca. Mas ninguém escuta.

*Luiz Jorge Ferreira é poeta e médico Macapaense criado no Laguinho, que atua em São Paulo. Ele também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de escritores Médicos (Sobrames).
**Do livro “Antena de Arame”.

Minha (Elton) reação diante de textos como esse: 

O Amolador – Conto porreta de Fernando Canto

Conto de Fernando Canto

“Fazia um silêncio de princípio de mundo”.
(Dalcídio Jurandir)

Contam que qualquer desgraça, a menor que fosse, já era esperada pelos trezentos e tantos moradores da Vila Vistosa de Manga Rosa. Há três meses não chovia e a terra rachava tal como os pés dos lavradores. Os moradores viviam acabrunhados pelos cantos e todos eles martelavam uma angústia terrível, embora houvesse quem espichasse um fio de esperança e levasse alguns fiéis a crerem mais no futuro.

Catarino, o amolador, deslizava suavemente o rio na sua ubá com o intuito de passar uns tempos em Manga Rosa, continuando sua peregrinação profissional entre as pequenas comunidades das ilhas, nas quais arregimentara grande prestígio e a consideração dos pescadores, dos comerciantes, dos lavradores e madeireiros. A bordo, sua mulher Renilda apalpava e penteava os cabelos lisos que de longos transpareciam auriluzentes contra o sol da tarde.

Fora um dia desmedido. Nunca se vira um arco tão claro e tão flamejante no céu daquelas paragens onde tanto chovia e tanto verde medrava antigamente sobre os barrancos aluviais. Os dois comentaram o tempo da última viagem à vila e a estreiteza do rio e suas margens lamacentas, pois mesmo com a maré elas permaneciam distantes, assim como se o rio se recusasse a dar seu conteúdo àquela gente pobre que dependia exclusivamente de sua passagem por ali.

À medida que remavam vinha a seu encontro um canto, que de murmúrio passava a ser um coro de lamentos. Era um antigo cantochão pronunciado em latim.

Aportaram com dificuldade no barro da beira do rio, puxando a pequena embarcação para a praia, como se tivessem certeza de que a maré subiria.

– É uma ladainha, disse Catarino. – O estranho é que não é tempo de festa do padroeiro, nem Semana Santa.

– Pode ser que alguém tenha morrido…

– É, tem muita cobra nesta ilha.

Subiram o cais do vilarejo banhados pelos últimos raios de luz. Na rua principal havia uma pensão onde conseguiram um quarto de chão batido, meio úmido. Armaram suas redes em escápulas ruidosas, e exaustos da viagem adormeceram sem se importarem com os carapanãs que vibravam as asas num barulho infernal.

Na casa de Maneco Barbosa, o cantador de ladainhas, alguém deu a notícia de que Catarino chegara ao povoado. Os presentes, que tomavam café após a reza, ensaiaram um sorriso. Não que aquilo fosse uma grande informação, mas de qualquer maneira representava um alívio para os produtores locais, pois na região não existia pedra que pudesse amolar terçado, enxada ou qualquer outro objeto cortante.

Amanhã a gente conversa com ele. O amolador de facas pode ser a redenção de nossa vila. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, disse Maneco, com as mãos para o alto.

Para sempre seja louvado, responderam os presentes, olhando para a cumeeira da casa infestada de aranhas.

O dia nasceu seco. E a aparência desértica realçava ainda mais a acidez das coisas vivas da cidadezinha. Um raro vento levou abruptamente as derradeiras folhas da gigantesca e quase secular mangueira que a frente do esquecido lugar tinha como símbolo. As folhas amarelas flutuavam como painas, confundindo-se no ar, fazendo evoluções fortuitas, desenhando letras imaginárias de uma escrita que talvez significasse um pedido de socorro. Tal como aquelas gentes, a árvore descascava, empretecia e enrugava sob a impiedosidade do sol, cujos raios caíam como bólidos de fogo, incessantemente e sem misericórdia. As gentes diziam não acreditar em castigo, mas acreditavam, embora antecipassem visões de desgraça em virtude da falta de material de trabalho e da ausência de chuvas.

O mais impressionante era a indisposição geral de procurar ajuda, mudar-se para outra vila ou se enfiar para rezar na velha capela construída pelos ancestrais. Todos os moradores eram de origem católica, batizados por padres italianos que raramente apareciam ali para rezar uma missa e batizar as crianças.

Contam que certa vez chegou um pastor de uma dessas inumeráveis seitas que grassam no interior e lá tentou se estabelecer. Convocou os moradores para um culto, mas apenas o doido Gonçalo apareceu. Os dois acabaram discutindo, indo às raias da violência, o que obrigou o presbítero a abandonar a vila às pressas.

As circunstâncias naturais e materiais promoviam pensamentos trágicos quanto ao futuro do lugar. Quase tudo o que se conseguia para comer estava no rio retraído pela estiagem. Porém o peixe estava rareando e os pescadores não se atreviam a ir além da curva do Furo do Ninguém. Atribuíam sua panemeira às últimas palavras do pastor expulso pelo doido, quando de certa maneira houve a conivência de todos: “Esta terra há de torrar e este rio será uma estrada de barro seco. Vocês vão viver agruras até a chegada do próximo milênio, tudo porque recusaram a palavra do Senhor”, dissera, ao embarcar em uma noite chuvosa, sob vaias, risos de deboche e chavões do tipo “praga de urubu não mata cristão”.

Porém, esse fato não abalou a maioria dos habitantes. Mesmo acabrunhados com a brusca transformação de seu meio de vida e apoquentados pela incerteza do tempo, consumiam com certa frequência o que ainda restava de cachaça na pensão do Naldo, conversando sobre suas próprias mazelas, tristes e sérios. Nunca riam. Mesmo sob o efeito do álcool.

Sonolento e ainda intrigado com o que vira na véspera, Catarino sentou na rede, balançou-se um pouco, chamou Renilda e resolveu ligar seu inseparável rádio de pilha para sintonizá-lo em uma emissora da capital.

Viu atônito sair primeiro uma, depois três, depois dezenas de cabas peçonhentas do interior do aparelho que estava repleto de uma massa seca e acinzentada. Com paciência e refeito do susto, o amolador o limpou cuidadosamente, mas desistiu de ouvir qualquer programa matinal. Lá fora os carrancudos moradores estavam à sua espera.

Temos o maior prazer de receber o nosso estimado amigo em nossa terra, cumprimentou-o o rezador Maneco, apertando-lhe a mão. – Como vê, estamos satisfeitos com a tua presença. Faz uns quatro anos que nós não apertamos as mãos.

Catarino tentou sorrir, mas desistiu da ideia. Formigas de fogo devoravam seus tornozelos. Ofereceram-lhe uma barraca para morar e instalar sua oficina, gesto que conseguiu agradecer embora agoniado com as ferroadas.

Dia seguinte, sob o comando do cantador de ladainhas, o povo organizou uma fila imensa, munido de suas ferramentas enferrujadas para apreciar o trabalho de Catarino, já devidamente instalado e pedalando o esmeril para afiá-las. Crianças curiosas metiam-se entre os adultos para ouvir o incessante barulho da máquina de amolar e observar com seus olhos brilhosos as faíscas da pedra. Quem tivesse dinheiro e quisesse pagar o trabalho, pagava. As senhoras, deslumbradas com o novo fio das facas, corriam para descascar velhos pedaços de macaxeira armazenados nas despensas. Um dos derradeiros bois do povoado foi sacrificado em nome da coletividade e repartido entre as famílias, com a anuência do proprietário, que o mantinha vivo com palmito moído no pilão. Lavradores recorreram aos depósitos para catar sementes e plantá-las nas roças abandonadas. Jovens e velhos rasparam as barbas e se perfumaram. As mulheres depilaram os sovacos e os pelos das pernas com navalhas afiadas, improvisaram salões de beleza para tirar cutículas e queimaram pulgas e piolhos, locatários dos seus longos cabelos. Alguns homens cortavam lenha e outros penetraram na mata estorricada procurando vestígios de frutas e raízes. Até caçavam para suprir a necessidade alimentar da comunidade.

Naldo, o dono da pensão, convidou a todos para uma festa que queria dar no centro comunitário em homenagem a Catarino e sua mulher, por terem conseguido a união dos moradores e a esperança comum de os mesmos sobreviverem com maior coragem através do trabalho. Até já sorriam. Faltava agora chegar o período chuvoso.

A festa começou com discursos e aplausos, mas infelizmente terminou logo, assim que um rapaz embriagado quis dançar com Creuza, uma das mais bonitas moças do lugar.

Recusado, o bêbado chutou o rádio de pilha que Catarino havia emprestado para o evento, e de dentro dele saíram novamente centenas de cabas coloridas dispostas a picar os convivas. No corre-corre alguém puxou de uma peixeira e acertou o infeliz causador da confusão, que rolou no chão estrebuchando. Dois de seus irmãos, revoltados e armados com canivetes, partiram para cima do agressor e o mataram, fugindo em seguida.

Quando o dia amanheceu, enterraram os mortos em caixões improvisados, sem o tradicional rito de encomendação das almas.

***

Catarino ficou surpreso ao receber aquelas pessoas deformadas, carrancudas e nervosas vindas do cemitério, trazendo objetos para amolar. Cada qual tinha o semblante carregado, agravado pelo inchaço das ferroadas.

Nos dias sequentes os homens nunca mais rasparam as barbas e nem as mulheres se depilaram. Foram ficando cada vez mais feios, sujos, embrutecidos. O amolador constatou que a maioria das ferramentas afiadas retornava a ele diariamente. Alguma coisa além do habitual estava acontecendo.

O vai-e-vem das ferramentas foi fundamental para que Catarino tomasse pé da situação: suas pedras de amolar estavam gastando em excesso, assim como os objetos dos moradores da vila. Facas, serrotes, tesouras, formões, enxadas e foices afinavam dia a dia, enquanto o estoque de esmeril diminuía. Ele e sua mulher notaram que outras coisas também modificavam.

Observaram, por exemplo, que as pessoas envelheciam e entanguiam precocemente, talvez por causa da quentura e da claridade da estiagem. Dava pena ver moças com tantos pés-de-galinha e rapazes de testa e pálpebras encarquilhadas. Velhos há pouco dispostos para o trabalho agora eram lassos, espectros impossibilitados de andar. As crianças pareciam albinos fugindo do sol, e os cães, feridentos, desabavam constantemente em alguma rara sombra, com um palmo de língua para fora.

Tomava conta da vila a desolação. Havia uma irritação permanente e recíproca entre todos, e até as lembranças recentes eram pequenas. Ninguém, nem Maneco Barbosa, conseguia recordar na íntegra a ladainha aprendida havia décadas com os padres italianos. Vegetais que outrora abundavam os arredores enterravam-se no solo poeirento, afundando até o caule. Seus galhos secos ficavam como dando adeus à vida, tal como mãos de afogado no pedido de socorro.

Os alimentos rareavam e o povo padecia de fome inevitável. Só o casal de amoladores tentava compreender a vala que sobrara do rio, lembrando o que lhes contaram sobre as proféticas palavras do pastor expulso do povoado. Na sua simplicidade pensavam eles que talvez tudo aquilo tivesse sua origem na Justiça Divina ou no mínimo fosse de origem política, pois acostumados a andar na região, nunca haviam visto tanta desassistência e tanta miséria. O amolador recordou que antes de ali chegar, em toda a região chovia. E muito, exceto em Manga Rosa que de vistosa nada mais tinha. Aliás, lembrou, nem cobra existia mais naquelas brenhas. Tudo virara alimento para a população faminta.

Decidiram mudar. Num momento de folga calafetaram a ubá que ainda jazia no barro seco da antiga praia e a empurraram para a vala, aquilo que restava do rio. Iriam pela manhã. Quase nada tinham para levar de volta e não havia necessidade de se despedirem.

À meia-noite um vento assobiou entre os galhos das árvores, correu penetrando as casas de pau-a-pique e se alojou no centro do rio. Outro vento desenvolveu o mesmo percurso. E outro. Mais outro…

Renilda foi a primeira a acordar. Chamou o marido no momento em que um clarão vindo do céu quase os cegou quando penetrou pela janela aberta. Três segundos foram o suficiente para toda a população sair à rua após o forte trovão que ensurdeceu a todos. Seguiu-se uma tempestade sem precedentes. Então gritos e orações se misturaram a choros incontroláveis. Choveu por cinco horas e ninguém mais dormiu.

A árvore símbolo e os outros vegetais secos da vila amanheceram com uma profusão imensurável de besouros. Eram tantos que pareciam formar uma espécie de teto sobre o lugarejo. Mesmo assim, os homens estavam mais alegres e muitos se cumprimentavam sem irritação ou desconfiança. E havia sinais de muita, muita chuva por desabar. Eles que se preparassem, pensou o amolador, a água que se aproximava era tanta que poderia matá-los afogados.

Catarino apanhou sua pequena bagagem e caminhou o rio junto a Renilda. Reconsertou a ubá, tirou a água do casco e substituiu o toldo de palha destruído pela chuva.

Ao fim do conserto, partiram devagar, contemplando a Vila Vistosa de Manga Rosa, lugar de coisas inomináveis, palco da miséria exacerbada e de homens endurecidos pelas circunstâncias. Um adeus era muito para quem partia a salvo com os corpos marcados, cansados e gastos como as pedras de esmeril que ainda sobraram.

 

*Este conto de Fernando Canto está publicado no e-book “Os tempos Insanos“.

 

Crônica divertida sobre casais improváveis (Por @rebeccabraga, inspirada em uma sexta-feira de 2014)

Por Rebecca Braga
 
Tinha marcado às 19 horas no boteco. Já estava atrasada 6 minutos. Meu telefone toca. Do outro lado, sem nem dizer oi, a voz conhecida avisa:
 
– Eu já pedi uma cerveja. Se você não chegar até eu terminar, eu vou embora.
 
– Tou chegando, vou pegar um táxi.
 
Sigo de táxi e em poucos minutos desço no bar cheio. As mesas já no asfalto, na rua, gente em pé procurando lugar pra se abancar.
 
-Por que que você tem que ser assim? –  Chego sorrindo pra quebrar o clima.
 
Peço um refrigerante pra iniciar e sigo com uma cerveja. Original, porque é sexta e sexta é dia de cerveja gelada.
 

Conversamos sobre a semana, sobre trabalho, sobre amor e a falta dele.
 
Olho ao redor, gente conhecida, sorrio, cumprimento.
 
-Tou te sentindo agoniada. O que tu tens? – Pergunta o amigo de quase duas décadas.
– Nada…
 
Disfarço o incômodo, tomo mais um gole de cerveja.
Vejo aquela moça chegando sozinha no bar e penso “que moça bonita”. Não comento nada. Seguimos conversando, sobre relacionamentos. Ele é o tipo que não sabe ficar sozinho. Engata relacionamentos longos e por vezes conturbados. Eu, depois de um casamento, tive alguns namoros, algumas paixões e levei algo como uns quatro anos pra me recuperar de um coração partido. Dessas coisas que terminam muito mal e leva-se muito tempo pra curar.
 
– Eu quero ela! Ali, olha. Ela é linda… – Diz atravessando uma conversa qualquer.
 
Me viro e procuro. É a moça que havia achado bonita.
 
– Ah, eu a vi passar por aqui. Bonita mesmo.
Seguimos entre mais cervejas e gargalhadas.
Olho pro lado e digo baixinho “Oiê! Tudo bem?”. Só pra que eu possa ouvir, mas ele ouve e diz rindo:
 
– Muito tu esses caras meio los hermanos. Bem o teu tipo. – Refere-se ao cara que procura alguém no bar enquanto fala ao telefone.
 
Risos.
 
– Se você a convidar pra sentar aqui, eu chamo o cara.
 
Silêncio na mesa. A gente se olha e ele solta:
 
-Daí eles ficam juntos e a gente se fode.
 
Mais risos.

– Preto, tu queres apostar quanto que esse cara tá procurando essa menina?
-Será?
-Saca só!
 
O hermano atravessa para o outro lado do bar, ela sorrindo, ele se aproximando, o abraço longo e eis que o cara senta na mesa.
 
Muito mais risos.
 
Como ele próprio diz:
-A vida é assim: A gente se dá bem. A gente se fode. A gente se dá bem. A gente se fode.
 
Só acho que de vez em quando a gente podia se dar bem. Digo, eu podia, pra variar.
A sexta seguiu e a gente ainda fez muita coisa. Entre amigos, conversas infinitas sobre amor, livros, cinema, política e tudo mais  o que é impublicável.
 
Uma canção pra brindar à vida. E às sextas que ainda virão.
 
Meu comentário: foi exatamente assim. Não tenho nada a acrescentar. Retrata exatamente o que rolou, de maneira bem humorada e muito bem escrita. Perfeito!

Amuleto – Conto de Luiz Jorge Ferreira

 


Conto de Luiz Jorge Ferreira

O elefante entrou na canoa quando começou a chover… Comigo!

Em uma medalha aprisionada em um cordão de ouro dependurado no meu pescoço, recebido de minha Vó em 1906.

Na sacola Grená que eu carregava no ombro, estava minha mão direita dentro de um pote de vidro âmbar que eu usava para colocar as espoletas da velha garrucha, agora um pouco enferrujada, porém com uma mira certeira, destas de fazer inveja aos modernos rifles americanos, com laser.

Com ela eu seria capaz de acertar o olho de um beija flor em pleno o voo, mas nunca o fizera.

Todavia apesar de todos a bordo estarem sonolentos, sentiram a diferença quando embarquei, pela pressão que a pequena canoa fez na superfície d’água, aspergindo líquido em todas as direções, como se um peso enorme houvesse espremido a canoa fortemente contra a superfície das águas do rio Curiaú em direção ao fundo.

Curiaú – Foto: Elton Tavares

Sem dúvida sentiram, mas não podiam calcular que uns trezentos quilos representados pelo elefante que carrego na medalha em ouro dependurada no pescoço fosse a responsável… o canoeiro que assobiava um Carimbó muito famoso na região, o Tipiti, aproveitou a marola para sirocotear mais agilmente…

Com a mão direita alucinada para sair de dentro do frasco onde repousava, retirei o cotoco do braço escondido dentro da manga comprida da camisa e o enfiei na sacola, procurando apaziguar a mão até a noite anoitecer completamente.

Para acalmar o elefante acostumado a grandes viagens, porém estranhando o cheiro quente e úmido da Mata Amazônica, comecei a mastigar uns amendoins comprados em Breves, abri a gola da camisa até o meio do peito, principiei a cuspir para dentro dela fragmentos semi mastigados, para a captação pela tromba ágil e ligeira que agora vigiava meu mastigar.

O canoeiro ligou o motor e saímos da beirada do rio, rumo ao meio da estrada d’água… espremida pela canoa.

Meia noite e pouco ultrapassamos o limite com o mar…

Inquieto com o barulho das baleias a bombordo, o elefante bramiu, ninguém se deu conta, confundindo os dois barulhos com um só, oriundo das baleias.

Eu soltei a mão para que se concentrasse fazendo truques de Mágica com cartas…

Depois das três e meia da manhã, descemos em Val-de-Cães, eu bêbado.

*Do Livro “Defronte da Boca da Noite ficam os dias de Ontem” – Rumo Editorial (SP) – 2020

Contículos Alados (rápidos lampejos geniais de Fernando Canto)

TRAVESSIA 2

Para Herbert Emanuel e Joãozinho Gomes

Eu via o mundo invertido quando passava na rua do poeta. Ele acenava do fundo da terra me pedindo um dracma de ouro.

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INSÔNIA

Para Carla Nobre

Sem dormir à noite toda fui cedo à padaria comprar um sonho.

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TRAVESSIA

Para Elton Tavares

Ao atravessar a faixa de pedestre só levantou a mão na hora do impacto.

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RUA DO POETA

Para Paulo Tarso

Cruzava a rua do poeta plantando bananeira para não pisar nem na lembrança.

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O CHOQUE

Para Jorge e Edelwais

Quando as pedras finalmente se encontraram viraram pó.

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PARTO

Para Luli Rojanski e Manoel Bispo

A torneira do jardim pariu seis gatos pingados. Acabara de chover.

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OVERLOOPING

Para Osvaldo Simões e Isnard Lima

O “encosto”, reclinado, frustrou a acrobacia de Mayra no monomotor. O voo foi tiro e queda.

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IMPÉRIO DOS SENTIDOS

Quando assisti “O Império dos Sentidos” a teu lado no Cine Orange, acreditei em definitivo que o ovo cozido é um alimento saudável. Que saudade de tua panela quente!

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ANSIEDADE

O cara é um paciente apressado.

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Foto: Gê Paula

BAIXA TESÃO

A lua iluminava tanto o céu de Macapá que os enamorados da Beira-Rio torciam por um eclipse.

MERCADO CENTRAL – Por Ruben Bemerguy

Foto: Blog Porta Retrato

Por Ruben Bemerguy

É curioso quando você encontra a história em você.

A história que não vem dos livros de história.

História que você conta pra você porque você sabe a História de memória.

História entreolhos, franca. História cúmplice. História-saudade-vida-viva.

Foto: Blog Porta Retrato

Quando em 1953 desaferrolharam as portas do Mercado eu ainda não havia nascido, mas o papai e a mamãe já navegavam naquela tenda cintilante de carne e osso.

Então, íntimos do Mercado, papai e a mamãe me confiaram um segredo que, segundo eles, só poderia ser por mim revelado se o Mercado, as genitálias do Mercado, a epiderme do Mercado, o ar que o Mercado respira, fossem cuidados pela cidade Macapá.

Se o açaí e a bacaba fossem do Mercado sonegados; se sua horta se fizesse infecta; se seus talhos lhe fossem extraídos; se suas roupas não fossem passadas em brasa-carvão; se suas joias não fossem em lustre eternizadas, esse segredo se obrigaria a dormir comigo em abrigo eterno.

Foto: Floriano Lima

Imaginei dias a fio, anos a fio, que esse segredo dormiria comigo em abrigo eterno.

Meu pai e minha mãe, afinal, foram minhas primeiras constatações de autoridade e até hoje o são. Nunca poderia ou posso faltar-lhes com o dever de lealdade absoluta. Segredo é a jura que fiz.

Quantas vezes, para disfarçar nosso segredo, não fui mandado ao Mercado Central fazer mandados? Não tenho a conta. Conta, papai e mamãe tinham nos talhos do Mercado Central.

Foto: Floriano Lima

Dos mandados que cumpri e que não tenho conta, ainda lembro, como se no caminho do Mercado Central estivesse, indo buscar mandioca, vísceras, carne, peixe, chicória, cebola, cebolinha, jerimum e “de um tudo”, enrolado em sacos de cimento vendidos do avesso.

Agora, já resolvido em 58 anos de idade e que volto ao Mercado Central o descubro em luz, amado, majestoso e como houvesse guardado, também em segredo, por tantos anos, a mandioca, as vísceras, a carne, o peixe, a chicória, a cebola, a cebolinha, o jerimum e “de um tudo”, para que outra vez eu as trouxesse enrolados em sacos de cimento vendidos do avesso para casa do papai e da mamãe.

Se o descubro assim sublime e bem cuidado em Caxixi, Ganzá, Agogô de Castanha, Matraca, Maracá e Tambor, posso, então, revelar o segredo que guardei em silenciosa clave musical por tanto tempo.

O segredo se referia ao vizinho de frente do Mercado Central, a Fortaleza de São José de Macapá. Na verdade ao contraste entre o Mercado Central e a Fortaleza de São José de Macapá.

Foto: Ascom PMM

A Fortaleza é uma edificação militar, construída pelo império europeu para proteger império europeu e a Colônia do império europeu.

A Fortaleza, me contou o segredo, tem as pedras suadas do Rio Pedreira – Forte em dor – os indígenas capturados – Forte em dor – os escravos negros comprados – Forte em dor – todas as peças de artilharia – Forte em dor – e ganhou forma em 18 anos – Forte, muito Forte em dor.

A Fortaleza foi, para meu segredo, um Forte guarda dor.

O Mercado Central, ao contrário, me contou o segredo, banhou-se de Amazonas desde o berço. Rezou terço. Deitou o perfume de bruços e aos soluços, em compasso e traço, se fez homem e se fez mulher. Se fez menino e se fez menina. O Mercado Central se faz Macapá.

Foto: Gabriel Flores

O Mercado Central, também me contou o segredo, nos fez voar o voo mais límpido e solene voo-urubu e, então, plainamos todos em Tamuatás, Tucunarés, Pirarucus ao leite da mandioca, erva jambu.

O Mercado Central, definiu o segredo, não foi içado Forte ou em dor e, por isso, nos construiu em igualdade e livres no mais absoluto Sabor-Sereno-Macapá.

Foto: Gabriel Flores

A existência própria do Mercado Central foi a de devolver ao Rio Pedreira as pedras suadas do Rio Pedreira. Aos indígenas capturados, seus cantos. Aos escravos negros comprados o encanto dos passos livres.

O Mercado Central se fez em nós.

E sem nenhum combate.

Ézio, o Super Herói Tricolor – Por Marcelo Guido

Por Marcelo Guido

O futebol é mágico! E jogo é fantástico! Transforma seres em mitos e dá a eles a alcunha de herói. Assim foi com Ézio Moraes Leal Filho.

Nos tempos áureos, nos anos 90 (só quem viveu sabe), o futebol era menos técnica e mais vontade; e nisso, o Super Ézio era rei.

Fez do Maracanã seu palco, da torcida tricolor sua corte. Se lhe faltava destreza com a bola, nunca lhe faltou disposição. Revelado pelo Glorioso Bangu de Castor, honrou a camisa da lusa e do Galo, mas foi nas laranjeiras que encontrou sua morada. O coração tricolor bateu forte várias vezes em virtude dele.

Foram quatro anos; de 1991 a 1995, 237 jogos e 119 gols – o que o coloca no décimo lugar na lista de artilheiros tricolor – uma taça Guanabara em 1991 e um Estadual em 1995. Se os números aparentemente são escassos, lembraremos o período.

Ézio foi ídolo de uma torcida carente, sua vontade em campo lhe proporcionava feitos de craque. E isso era ser tricolor naquela época. Esse era o futebol.

Ézio era antes de tudo o rosto do Fluminense. Era dele que a torcida tão sofrida podia esperar algo. Era nele que eram depositadas as fichas. Ézio era o tricolor.

Fazer 12 gols no maior rival, ser o terceiro maior artilheiro do FlaxFlu e a procura incessante pelo gol os faziam acreditar que sim, algo bom era possível. Longe de ser um fenômeno – mas era o que bastava.

Entre contratos assinados em branco e a vontade de permanecer no clube em fase difícil, em um período sem Unimed, onde as melhores lembranças já iam longe com a Máquina Tricolor de Dom Romeo e Branco, ou do Casal 20, Washington e Assis, Ézio se fez tricolor.

Imortalizado pelo mestre Januário de Oliveira, fez suas glórias maiores no Maracanã. Corria para geral ao comemorar seus tentos. Majestoso, o manto verde, branco e grená lhe caia como smoking e cartola para noite de gala.

Tinha garra, sorte às vezes e faro de gol. Goleador nato. Fazia gols porque sabia que era disso que o povo gostava.

Ficam as histórias e o agradecimento de pessoas que aprenderam a amar o Fluminense em um período de nove anos sem títulos. Nove: o número da camisa que tanto honrou. No dia nove de novembro de 2011 perdeu – talvez a partida mais importante. A luta travada contra o câncer havia terminado.

O Super Herói saiu da vida para a cadeira cativa em todo coração tricolor. Mas, eterno que foi em campo e, como nas histórias em quadrinhos, o bem sempre vence o mal, Ézio se fez imortal na história tricolor.

Marcelo Guido é jornalista.

CORNUCÓPIA DE DESEJOS – Conto muito porreta de Fernando Canto

Conto de Fernando Canto

Por querer expressar meu pensamento sobre as coisas em meu idioma, às vezes arrebato o próprio coração em sofridas angustiosidades e dissentimentos infaláveis. Por isso monologo no granito e lavo em água este contraste, esta antagonia de imprescindível falação que ponho em tua trompa de eustáquio para te martelar suavemente a dentro.

É o caso do amor ensolarado que sinto agora, neste mirífico momento. Um assunto ressoante, uma prosa-cornucópia (onde a abundância reina) a refratar-se sem a culpa do inexpressável parlar.

Não vejo como não ensopar-me de enluação neste conto de candura quase irrevelável, posto que o meu amor possa entender-me ou espumar-se para sempre para o inevitável espanto que a declaração enseja. Paresque um salto com vara numa olimpíada de abismos.

Assim eu declaro: a cobra norato, o boitatá e as luzes do fogo-fátuo se expiram na noite cadente. Oh, teus olhos não! Teus olhos ternuram a medida do dia, solfejam histórias e cantam paisagens inescrutáveis para os sonostortos dos mortais. Eu sou o arauto deste cenário-testamento a castigar retumbantemente o couro dos tambores; eu anuncio a sublime compreensão do “amooor” que ecoa em gargalhadas sobre as ondas do Amazonas, aqui na Beira-rio, sob um céu azul intensificado de lilás quando anoitece. Eu declaro ainda: a pedra em sua bruta forma tem dentro de si os elementos primordiais que suprem tua sede de amar. Ora, Balance a pedra e sinta o gutigúti da sua oferenda. Lapide-a, pois ela provém da terra, e então perceberá o calor do fogo da paixão libertadora e o ar morno que movimentará o sangue pelas entranhas.

Num átimo, um áugure qualquer (que são muitos e banais) lerá tua sorte: dirá augúrios, claro. Um áuspice (que estão cada vez mais raros) dirá tua sina no raro voo dos louva-deuses. E te auspiciará de boas-novas e de valores inequívocos.

Ora, dizendo isso afirmo que sou aquele que nem sabe discursar suas dores, inda que saiba do futuro, pois habito o limiar do tempo. Eu sou a timidez em prosa e verso, aluno de poesia, mas prenhe de pecados, porque ingiro virtudes nos bares da noite e não sei segredar projetos inexequíveis. Não sei, juro pueril e ludicamente (mas com toda a sinceridade de uma parlenda) pela fé da mucura, torno a jurar pela fé do guará, torno a repetir pela fé do jabuti, que não sei mentir ao sabor do vento dos ventiladores que me sopram fumaça de charutos cubanos.

Descobri que sei de ti mais do sabes da pedra em teu caminho. Sou teu (adi)vinho incontestável, ad-mirador de tua trajetória. Por isso do alto da minha velada arrogância sei que tu também me amas.

Mas é de ti que quero o conteúdo dessa bilha onde Ianejar – aquele heroi dos índios waiãpi – e seus pareceiros se abrigaram do fogo ardente e do dilúvio. É por ti que generalizo a farsa da criação sem pesadelos cosmogônicos. Eu me agonizo em mistérios. Eu eternizo o meu olhar nessa paixão. E me enleio como as borboletas que viajam ao paraíso pelo buraco sem-fundo do fim da terra.

Por isso eu sei que te amo.

Por isso vago ainda em fluidos imemoriais sempre presentes, antes do esquecimento das vitórias que juntos comemoramos.

Por isso a ternura há de ser o mais farto elemento da imensa cornucópia de desejos que realizamos juntos.

Mãe – Por Ruben Bemerguy

Por Ruben Bemerguy

Boa noite, mãe.

Mãe, seguramente, essa hora a senhora está dormindo.

Eu descanso, mãe, quando a senhora descansa.

Foto: arquivo familiar.

Tenho em mim a paz de seu sono e a alegria de vê-la sempre mais moça quando acorda. A senhora desenvelhece em mim todas as manhãs, mãe.

Eu vivo do útero de seus olhos, mãe. Descobri outro dia que só as mães têm olhos, por que só as mães têm útero. O útero, segundo minhas observações, não são meros órgãos de gestação e nem têm habitação fixa, mãe.

O útero é um nômade no corpo das mães. Ora se criam em sorrisos, ora se criam em lágrimas. Ora entregam luz, ora se fazem noite. Por isso, útero de mãe não vive em corpo. Útero de mãe vive em céu. Útero de mãe é constelação.

Ontem mesmo eu estive conversando com Macapá sobre isso. Mãe, foram muitas lembranças. Macapá, essa cidade útero, rememorou minha existência.

Fotos: Blog Porta Retrato

A senhora acredita que me falou sobre a “Escola Paroquial São José”? O “Grupo Escolar Modelo Guanabara”? A “Escola Princesa Izabel” e até do “Ginásio de Macapá”?

Mãe, Macapá lembra de tudo.

Dia da raça, e os desfiles na Av. Fab. Dia da Independência e os desfiles na Av. Fab. Dia 13 de setembro e os desfiles na Av. Fab.

Outro dia, a pedido da cidade de Macapá, eu fui até a Av. Fab, mãe. Quis encontrar meus passos em marcha na turma da graxa.

Me aproximei, pensei-me íntimo as Avenida. Acreditei que a avenida ainda guardava meus passos em marcha na turma da graxa, puxada pela marcha da Banda do Mestre Oscar.

As músicas da Banda do Mestre Oscar nunca me saíram dos ouvidos, mãe. Assovio uma a uma, até que câimbras me proíbam os lábios.

Avenida FAB – Foto: Rodolfo Santos

Mãe, acredite, a Av. Fab foi indiferente a mim. É como se eu não existisse. Como se ela nunca tivesse me visto. Como se meus pés ela não tivesse guardado em marcha na turma da graxa, puxada pela marcha da Banda do Mestre Oscar.

Era como se o Dia da raça não existisse, mãe. Como se o dia da Independência não existisse, mãe. Como se o dia 13 de setembro não existisse, mãe. Como se eu nunca tivesse marchado na turma da graxa, puxada pela marcha da Banda do Mestre Oscar, mãe.

Eu disse tudo isso à cidade, mãe. Na verdade, não disse, denunciei isso à cidade. A indelicadeza, o descaso, o desdém da Av. Fab comigo.

Macapá, então, me olhou com os seus olhos útero, passou as mãos em meu rosto, desviou-me a respiração para o horizonte e me perguntou: Depois de adulto, o que você fez pela Av. Fab? Algum dia cuidou dela? Acariciou a Avenida em que marchou na turma da graxa, puxada pela marcha da Banda do Mestre Oscar?

Segundo a cidade, eu, adulto, é que esqueci da Av. Fab e o silencio e a indiferença da Av. Fab não seria outra coisa senão minha própria ausência da Av. Fab.

Foto: Rede Amazônica

Mãe, por advertência da cidade, eu vou me penitenciar e tentar cuidar outra vez da Av. Fab.

Fazendo isso, me disse a cidade que o dia da Raça volta a existir pra mim. O da Independência também volta, assim como o dia 13 de setembro voltará.

Acho que vou cuidar da Av. Fab. Sou reverente aos conselhos da cidade.

Boa noite, mãezinha.

Eu te amo.

O Sanitarista (Conto porreta de Fernando Canto)

Conto de Fernando Canto

Depois de trinta anos ausente, o médico E. E. Spíndola avistou da aeronave o novo aeroporto da sua cidade natal e a placa de aço com os dizeres “Aeroporto Internacional das Ilhas Redondas Alberto Alcolumbre”. O dia estava amanhecendo em Macapá. Ele apanhou um táxi e mostrou o cartão do hotel ao motorista. Falante que só ele, o taxista lhe disse que pegaria a Rua Comandante Barcellos e seguiria pela Avenida General Ivanhoé, onde existira uma velha igreja em homenagem a São José, passaria por trás do Estádio Monumental dos Góes até o Marco Zero “Presidente Sarney”. Informou-lhe que passaria na rotatória da linha do Equador “Janary Nunes”, que atravessaria a Praça dos Capiberibe pela orla da Praia do Camarão no Bafo, e iria para a Cidade Evangélica para poder contornar novamente a orla em direção ao hotel, pois a Rodovia Praiana estava interditada em diversos pontos.

Ouvira no monitor do carro que havia uma greve de professores estaduais a reivindicar 501% de aumento de salários e a aquisição de instrumentos pedagógicos mais modernos para seus alunos. Também fora informado pelas redes sociais que no centro da cidade estudantes universitários e populares preparavam desde o dia anterior uma manifestação “pacífica” contra a falta de emprego e a corrupção. O médico fez uma cara de espanto, mas concordou com o taxista e seguiram. Ao chegarem ao destino, viu que o hotel tinha quase o mesmo nome de antes: “Macapá Hotel Vale do Tumucumaque”, mas que era agora um prédio de dezoito andares.

Era cedo, então tomou o seu café no restaurante e esperou a hora do evento que participaria. Perto das 09h00 adentrou o suntuoso salão de convenções “Ernestina Libório” e, para a surpresa sua, encontrou velhos amigos empaletosados em busca dos mesmos interesses profissionais.

Eram todos médicos sanitaristas preocupados com um surto de varíola que grassara inexplicavelmente na região, uma doença que parecia extinta há mais de cem anos. Realmente era preocupante. Na foz do rio Amazonas uma peste medieval dessas poderia ser muito perigosa para todas as populações que cresceram ao longo do rio e nas ilhas oceânicas, incluindo a do Marajó, agora um estado federativo importante da região.

E.E. Spíndola tomou seu lugar à mesa e foi apresentado pelo mestre de cerimônia aos presentes como grande referência nacional sobre o assunto daquele importante colóquio científico. Na sua conferência lembrou os dias difíceis como estudante vindo do interior do estado e de sua luta para conseguir se formar e crescer como médico e pesquisador. Muitos amapaenses se emocionaram ao ouvir a triste narrativa.

Abordou o assunto com competência, inclusive referindo-se à história local,citando o caso de um surto de varíola ocorrido na década de 1750, quando da fundação da vila que originaria a atual capital do estado. Propôs soluções socioambientais e imunológicas que mais tarde seriam consideradas incoerentes e megalomaníacas pelos mesmos colegas que o ovacionaram de pé quando terminou de falar. Lançou seu novo livro digital sobre o assunto em cerimônia previamente preparada pela editora com quem possuía exclusividade nas vendas e foi cumprimentado pelas autoridades presentes.

Almoçou com o senador Zéfiro Libório, pai do atual governador e seu herdeiro político, após lutas e lutas inglórias contra as oligarquias dos Capiberibe e Góes que se alternavam no poder havia gerações. À noite pegou um superbarco e foi jantar na Ilha dos Caititus, do outro lado do Amazonas. Comeu um prato estranho, mas muito delicioso e, sobretudo muito caro: filhorada ao molho de cupuaçu, uma mistura genética dos peixes filhote e dourada, criada em cativeiro. O prato era preparado com ervas aromáticas, marinado ao vinho e servido com a raríssima polpa de cupuaçu.

E. E. Spíndola foi apresentado a magistrados e juristas da terra que eram clientes contumazes e chiques do restaurante. Estavam acompanhados de lindas e exuberantes mulheres, porém de vez em quando se levantavam para rubricar em I Pad’s processos digitais que os subalternos oficiais de justiça levavam a eles de helicópteros. Pastores, deputados e padres gordos se refestelavam nos pratos principais e nas sobremesas. As elites riam a cada gole de um escocês e entre as baforadas de cubanos. Spíndola chegou a ver uma tentativa de protesto de dezenas de canoeiros ribeirinhos doentes remando e gritando, empunhando lampiões e faixas na escuridão, ato imediatamente dissolvido à bala pelos seguranças locais. A arrogância e o deboche das autoridades presentes causou repugnância no médico. Naquele momento ele percebeu o clima hostil das autoridades e se despediu. Entrou no superbarco, já cancelando pelo celular a visita que faria no dia seguinte às vilas ribeirinhas afetadas pela doença. Decidiu viajar o mais rápido possível para a Europa.

No trajeto veloz observou as luzes de Macapá crescendo ao longe, imaginando o quanto seria bom se as comunidades amazônicas tivessem lugares como aquele restaurante luxuoso que parecia uma redoma protegida do contágio da peste ribeirinha. Pensou em soluções definitivas para a epidemia e devaneou por uns dois minutos.

Próximo ao porto da cidade foi surpreendido por um vergalhão da pororoca que emergiu de repente no meio do rio. Ela veio sutilmente se formando por baixo do canal como uma cobra traiçoeira. Havia migrado nos últimos anos da foz do Araguari devido às alterações geográficas e ecológicas causadas pela instalação de quatro usinas hidrelétricas ao longo do outrora rio do vale dos papagaios.

A onda de arrebentação rompeu como um ser criado pelos deuses, dançarina louca bailando à música do vento, carregando lama e espuma e sedimentos no seu percurso de destruição, sem esquecer de levar em sua primeira vaga o superbarco de passageiros. O médico sanitarista ainda teve calma de espírito ao ver, pela primeira e última vez, antes de se afogar, os jovens surfistas luminosos, de lâmpadas de LED coladas aos corpos, saltarem do nada com suas pranchas de raios coloridos sobre o dorso da grande onda da noite.

Eram anjos montados no macaréu, indo ao encontro das ruínas do forte, um antigo símbolo da cidade.

*Republicado por conta de 2 de janeiro ser o Dia do Médico Sanitarista. 

Viagem para mudar – Crônica paid’égua de Fernando Canto sobre o ano novo

Crônica de Fernando Canto

Na cachaça do ano novo é muito comum fazermos resoluções e promessas de mudança no comportamento, no trabalho e nas relações sociais. Planejamos novas ações e juramos mudar, custe o que custar. E temos poder para isso. Se quisermos mudar para melhor porque não tentar? O problema é sair da nossa zona de conforto e experimentar algo que pode ser ruim ou bom. No entanto resistimos às mudanças.

Um famoso psiquiatra austríaco, Viktor Franki, disse que a coisa mais importante que a psicologia pode e deve fazer é nos impressionar com nossos próprios poderes, principalmente nosso poder de mudar e crescer. Porém não é sempre que nos esforçamos se estamos no nosso conforto e nem sempre desejamos mergulhar em águas desconhecidas, correr esses riscos…

Assistindo ao mundo em movimento é que podemos perceber que estamos indo junto com ele, em uma viagem sem volta, num trem galáctico, rumo às estrelas do infinito. Daí é possível entender que consciente ou inconscientemente somos empurrados a estados e condições diversos, pois os processos de mudança são inexoráveis e inerentes à dinâmica da vida. E assim também as organizações sociais.

Desta forma, ao pensarmos as mudanças que querermos por necessidade, certamente tomamos consciência dos eventos a nossa volta e seus efeitos em relação às nossas escolhas. E é então que alimentamos nossas expectativas sobre a nossa atuação no passado recente. Nessa expectativa é melhor fazer um sobrevoo sobre nós mesmos e olhar os sinais e sintomas de mudança que precisamos, para que possamos mudar.

Lá fora nossas esperanças ainda não morreram. Há sinais de troca e de mudanças estruturais. Novos sonhos são acalentados diariamente pelas pessoas e muitas delas que exercem ou que exercerão cargos de decisão indubitavelmente terão de fazer surgir, pelo trabalho, mudanças em todos os níveis, que serão acompanhadas pelas pessoas que os escolheram numa dialética constante, praticada cotidianamente, principalmente pela imprensa

Transformar, modificar, revolucionar não é apenas mais uma necessidade dos seres humanos. As organizações aprendem muito rapidamente que suas fronteiras mudam a cada minuto, e por isso se voltam para o enfrentamento de novos desafios e buscam nos seus servidores graus maiores de eficiência que podem evoluir e acompanhar suas novas necessidades com pragmatismo e equilíbrio. No entanto nem sempre os debates, cursos, palestras e ensinamentos sensibilizam os atores sociais, notadamente no serviço público, onde se percebe claramente que a empolgação das pessoas é efêmera, e que elas oferecem mais suas próprias críticas e medos que suas habilidades, conhecimentos e capacidades analíticas. Quase em nada contribuem para a totalidade e missão das instituições pelo conformismo e conforto que estão aninhadas com suas limitações em se adaptarem às novas tecnologias, na tensão infindável da luta diária.

Nem tudo, porém, está perdido. Apesar de sempre haver resistência ao novo, a História está aí para dar seu testemunho de sucesso àqueles que ousaram acreditar em si mesmos e conseguiram mudar o mundo. Para transformar, e para transformar-se é necessário ter suporte emocional e equilíbrio, algo que estabeleça a harmonia e desperte o potencial interior que todos os seres humanos possuem para mudar.

Nesse sentido podemos aprender que falar em mudança não requer se basear em livros de auto-ajuda, nem sequer na espiritualidade. Na viagem do trem rumo às estrelas começamos a nos conscientizar dos impactos que causamos quando decidimos fazer mudanças e o que elas provocam nas dimensões físicas de um órgão ou nos conteúdos culturais das pessoas e nas suas emoções.

(*) Publicado no Jornal do Dia em dezembro de 2008.

Cai dentro, 2020. Feliz ano novo! (meus votos para todos nós, pois o futuro está ali, dobrando a esquina)

2020 está ali, dobrando a esquina. Que todos nós, eu, você e demais pessoas que estão lendo este texto, assim como nossos amores, sigamos saudáveis e sejamos felizes no ano que chegará logo. A vida boa e lôca. Só é feliz quem arrisca. Vamo com toda a força no novo ciclo.

Mesmo com todos os desafios, injustiças de toda ordem, homens e mulheres que xingam em nome de Deus e são obscuros adoradores de armas, sobrevivemos ao difícil 2019.

Sou grato aos meus companheiros de jornada, tanto os familiares, amigos e colegas de trabalho, quanto aos que me ajudaram e não estão inclusos em nenhum destes grupos citados. Fomos felizes em 2019, apesar de TUDO. A vida que construí e os momentos que compartilhei com pessoas que amo são tudo para mim. Agradeço de coração aos meus e, como diz o jornalista Luiz Melo: “obrigado por gostar de mim, apesar de mim”.

Que tenhamos luz e sabedoria para encarar as adversidades e os desalmados que certamente aparecerão no novo ciclo. E que nos esforcemos para sermos pessoas melhores que em 2020. Esse “vinte, vinte”, como disse uma amiga, será desafiador.

Que em 2020 tenhamos muito boa vontade, forças positivas, disposição e autoconfiança para corrermos atrás de tudo o que desejamos alcançar. Tenho certeza de que muita alegria nos espera no ano vindouro. Pelo menos a esperança nisso não é pouca.

Viverei 2020 como se fosse o último ano de minha vida, podem apostar (sempre faço isso). O ano novo promete. Que ele se cumpra então, que seja mágico/fabuloso e sem muitas aporrinhações. E quando fraquejarmos, que ainda haja amor e força para recomeçar.

Tomara que eu e você sigamos lutando por uma vida digna, menos ordinária, no combate a dias e noites tediosas, e cheia de amor. Ou paixões. Afinal, tudo depende de você. E se possível, sem “muitas fingidades”, como dizia Guimarães Rosa. E isso sempre contou pra caralho. E continuará contando sempre!

A todos os que fazem parte da minha vida e aos leitores do De Rocha, desejo um ano novo transbordante de amor e paz. Na hora em que os fogos explodirem no céu e o Ano Novo chegar, desejo que vocês estejam felizes, com boa comida, boa bebida e pessoas que amam.

O escritor Rubem Alves, no livro de crônicas intitulado “Pimentas”, disse: “a gente fala as palavras sem pensar em seu sentido. ‘Benção vem de bendição’. Que vem de ‘dizer o bem ou bem dizer’. De bem dizer nasce ‘Benzer’. Quem bem diz é feiticeiro ou mágico. Vive no mundo do encantamento, onde as palavras são poderosas. Lá, basta dizer a palavra para que ela aconteça”. Então, que Deus continue nos abençoando!

Boas energias, muita saúde e prosperidade. “Difícil de ver. Sempre em movimento está o futuro”, disse uma vez o mestre Yoda. 2020, vem com tudo, cai dentro! Feliz ano novo!

Elton Tavares