Com meus impróprios olhos – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues
 
Não paguei para entrar na vida. Pulei a roleta, subornei o guarda, falsifiquei o bilhete de entrada.
 
Estou aqui e tenho que prosseguir, respirando a fumaça das noites de luto, sem luta, ninado pelo ronco dos motores ensandecidos, absorvendo o mesmo ar dos hipócritas e assassinos.
 
Tudo me soa estranho. Luto a cada segundo para não abdicar do que me resta de autenticidade. E não me deixar atolar na areia movediça dos sonhos perdidos.
 
Com meus impróprios olhos posso ver a improvável paisagem que se estende por saaras intermináveis. 
 
Esperança, tolerância, bondade. Palavras que vão sendo banidas do dicionário tecnológico das almas enlatadas.
 
Não estou em desespero, me falta disposição para isso. Não estou em depressão, algo que considero refinado demais para minha figura em desalinho atravessando a praça ao meio dia, de um dia qualquer, qualquer dia.
 
Qualquer dia eu decifro a charada, recebo a mensagem das nuvens, me livro das correntes dos estereótipos.
 
Sinal fechado para o rebanho das ovelhas resignadas. Beco sem saída para quem ousou fugir do labirinto.
 
Chega de frescura, basta desse ranço intelectualoide, discursos sem futuro que lotam os bares e esvaziam a consciência.
 
Por falar em consciência, ei-la dobrando a esquina. Com um pouco de esforço talvez seja possível alcançá-la.

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