Como foi que eu perdi você? – Crônica de Evandro Luiz

Foto: Nathalia Rodrigues

Crônica de Evandro Luiz

Paulo Fontenelle era de Guarapuava, no Paraná, que até os dias de hoje mostra através de construções espalhadas pela cidade a forte presença espanhola na região no século XDC ( século 19). Ele tinha 34 anos, era casado com a chilena Maria das Dores e pai de dois meninos: André, de seis anos de idade, e Pedro, de três. Os dois se conheceram nas Cataratas de Foz de Iguaçu. Foi paixão a primeira vista. Em menos de seis meses eles estavam casados.

Ele trabalhava em uma fábrica de automóveis no setor de reposição de peças e ela dava aula de espanhol em uma escola privada. Não levavam uma vida difícil, mas também não chegavam a fazer parte da classe média. No fim do mês, não sobrava muito, mas dava o suficiente para o lazer das crianças e até mesmo do casal. Não abriam mão do costume de levar os filhos ao parque, fazer um churrasco de costela de cordeiro e tomar um bom vinho nos fins de semana.

A demissão de 50 trabalhadores, férias coletivas para outros 50, e a redução na jornada de trabalho acendeu a luz de alerta do casal. Na casa de Paulo e Maria, o clima já não era tão bom como antes.

As notícias negativas e a violência na cidade crescia muito e ocupava um longo espaço na mídia local e isso de uma forma ou de outra contaminava a relação entre os dois. A instabilidade econômica do país, levava o casal a desconfiar que o pior ainda estava por vir.

Como milhares de brasileiros, eles se perguntavam: Mas como podia isso acontecer em um país rico, que tinha o povo mais hospitaleiro do mundo, solidário e que não desistia nunca de seus ideais, de sua vocação em ser a maior liderança da América do Sul? Como um país que, além de ter o melhor futebol do mundo, tem ainda o carnaval, a maior festa popular do país.

Nenhum outro lugar no mundo tem tantos feriados como aqui. Não tem terremotos, tsunami, vulcões em erupções. E de repente, o que o casal mais temia, aconteceu: Paulo Fontnelle foi demitido da empresa depois de dez anos de casa.

Paulo não quis perder tempo e saiu em busca de um outro trabalho. Mas as respostas eram sempre as mesmas: não havia vaga. Foi aí então que Paulo Fontenelle tomou a decisão de procurar trabalho em cidades vizinhas.

Maria não disse nada, apenas chorou na janela que dava pro quintal da casa e viu a araucária, árvore símbolo do estado do Paraná, sem nenhum fruto de pinhão. Antes de sumir na esquina, Paulo olhou pra trás e acenou para a mulher e os filhos. Foram 15 dias de busca, mas sem conseguir nada. Cabisbaixo, pensando como iria sustentar a família sentiu um vento enrolar em sua perna uma folha de jornal.

E lá esta a na manchete. “A última fronteira agrícola no norte do país será ocupada por paranaenses”. Paulo pegou o ônibus e voltou para Guarapuava. Ao dobrar a esquina, viu a casa toda fechada. Sentiu um aperto no coração e quando abriu a porta não havia nada mais que um silêncio dilacerante. Foi até a sala e encontrou um envelope debaixo de um vaso já com flores murchas. Maria tinha voltado para Santiago. Enquanto lia, as lágrimas derramavam sobre o peito dolorido pela ausência da família.

Na saída do comboio de caminhões, via no horizonte a incerteza de uma nova jornada, em um lugar distante onde teria que lutar por um pedaço de terra. Chegou sentindo o calor de 40 graus, viu as terras e teve a sensação era ali a sua nova morada: na terra do meio.

  • Uma fotografia preto e branco.
    Pode ser ficção…mas não é impossível, que tenha acontecido.
    Belo texto.

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