Como vai a vida? – Crônica de Pat Andrade

Crônica de Pat Andrade

Já tem um tempo que eu vendo meus livrinhos empapuçados de poesia. Uns são ilustrados por mim mesma, com desenhos autorais ou colagens; outros têm ilustrações retiradas da internet. Também já fiz livros e cartões manuscritos – uma loucura, porque essa façanha me ajudou a desenvolver uma doença degenerativa e sem cura: a síndrome do túnel do carpo, que eu não vou descrever aqui porque não tenho paciência e nem palavras para tanto. Basta que saibam que me causa dores terríveis do lado interno do antebraço e por vezes paralisa o movimento do meu dedo médio, o que dificulta muito o uso da pena, que me é tão caro. Mas deixemos isso de lado e passemos ao que interessa – ou não.

Nas minhas incursões pelas ruas da cidade, rumo aos cafés, bares, restaurantes e afins, onde tento – renitente – vender poesia, encontro muita gente conhecida e muitos perguntam como estão as coisas, como vai a vida e outras amenidades. Deixei de responder com a verdade, pois considero uma crueldade com quem está desfrutando a vida de modo tão aprazível – bebendo, tomando um café com delícias, comendo uma chapa mista etc – dizer como vai a vida. Imagine você se eu dissesse “não vai nada bem, pois temos centenas de milhares de pessoas morrendo de fome ou catando lixo pra sobreviver” ou “não vai bem, porque centenas de mulheres tem sido assassinadas, estupradas, violentadas física e psicologicamente” e “não vai bem, porque crianças são molestadas todos os dias por gente da própria família”. Eu também poderia dizer que a vida não anda tão boa por causa do desemprego que afeta milhões de famílias Brasil afora ou por causa da pandemia, que ceifou milhares de vidas; por causa da destruição da Amazônia e suas populações nativas. Posso responder que não acho que a vida vai bem quando se descobre que pessoas que julgávamos amigas são na verdade um monte de víboras sedentas de poder.

Enfim… São muitas as razões pra achar que a vida não vai bem, mesmo. Mas não tenho coragem; não tenho esse direito; penso nos olhares perplexos que virão ao encontro do meu, e nos comentários tipo “como assim? tu estás exagerando” entre outras frases feitas que sairão de pronto dos meus interlocutores.

Então, aos que não enxergam nada, aos que se recusam a enxergar ou aos que não se importam, sigo contando a mentirinha diária e inocente – que todos acreditam piamente – de que a vida vai muito bem, obrigada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *