Cordas (por @rebeccabraga )

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Por Rebecca Braga

Quando eu tinha doze anos, minha mãe chegou em casa entusiasmada com uma novidade pra mim.

-Filha, você vai fazer um teste de seleção pra estudar no Walkíria Lima.

O Walkíria Lima é uma escola de música tradicional na minha cidade, onde foram formados grandes músicos por gerações.

No exato momento em que ela me disse isso, eu fiquei me imaginando sentada à frente de um piano tocando, então perguntei, ainda mais entusiasmada do que minha mãe:

-Eu vou estudar piano?

-Não, você vai fazer o teste pra estudar violão popular.

Não acredito que ela sabia a diferença entre os cursos de violão popular e clássico que oferecia a escola, mas o porquê de ela ter feito aquela escolha pra mim foi ficando muito claro nos dias que se seguiram até o teste.

Também não sei se ela notou minha expressão de decepção quando me disse que eu ia tentar uma vaga pra estudar violão e não piano.unnamed (4)

Disse-me ela que a idade ideal para começar a estudar piano era aos cinco anos e que portanto eu já estava velha. Também argumentou que uma mulher tocando violão era tão incomum e tão charmoso, que ela própria tinha começado a estudar violão quando jovem, mas como vinha de uma família muito cheia de limitações, precisou abandonar pra ajudar em casa com os irmãos.

Minha mãe lembrava do Bona, um método de aprendizado de música muito usado na época – que eu sinceramente não sei se alguém hoje ainda usa – e de como se sentia capaz de lembrar algum acorde ao violão se tivesse um nas mãos. O que realmente era verdade. Comprovei alguns meses depois quando comprei meu primeiro violão.

Apareciam ali os motivos da escolha de minha mãe. Vontades dela, frustrações dela.

Não a culpo. Eu sei bem o que é isso.

Fiz o teste de seleção. Passei e algumas poucas semanas depois estava estudando violão popular.

Fiquei dois anos e meio naquela escola. Metade desse tempo sem professor, como tantos outros alunos.

Meu professor era uunnamed (5)m jovem músico, guitarrista dos bons, bem intencionado mas sem nenhuma prática didática.

Aprendi alguns dedilhados e meia dúzia de acordes. Mas foi ele quem descobriu que eu sabia cantar. Começou me fazendo levar canções que ouvia na rádio gravadas em fita K-7. Ficava ali na minha frente ouvindo e fazendo alguns acordes até que me dizia:

-Já tirei. Vamos tocar. Você canta!

E foi assim por meses. Meses esses que nunca me viram faltar uma aula. Eu chegava uma, duas horas antes do meu horário. Meu professor havia me mostrado uma sala que não servia para aulas mas que guardava um piano muito antigo já não usado.

Lá eu costumava sentar e ficar olhando as teclas brancas e pretas sem ter a mínima ideia do que fazer com aquele instrumento que habitou meu imaginário de maneira tão delicada por toda a minha infância.

Lembro de passar pelo corredor e ver aquelas meninas sentadas ao piano tocando clássicos. Ficava com essa impressão de que elas eram meninas que nasceram pra ser princesas.

Do tipo que estudam balé, piano, francês.10629741_10152231766686537_3142293064858119215_n

Tivesse eu talento talvez até tivesse aprendido sozinha. Mas não foi o caso. Como também não sei tocar violão até hoje. Sei uns acordes, faço umas batidas e algumas canções simples aparecem.

Mas é só isso.

Hoje eu já não desejo mais, já não me frustro mais. Eu gosto de ser cantora. Gosto de ter gente talentosa me acompanhando. Adoro as mãos que tocam as cordas pra mim, que tocam piano pra mim.

E gosto mais ainda quando as mãos tocam em mim.

P.S: Não consegui escolher uma trilha pra esse texto, sintam -se à vontade pra fazê -lo.

P.S do P.S: Texto dedicado a todos aqueles que me ajudaram a me achar musicalmente e que tocaram pra mim e em mim.

Fonte: Blog Girassol e Catavento.

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