De como fui fuzilado e não crucificado como a mídia afirma

pelotão

Crônica de Ronaldo Rodrigues

– Fogo!!
Ao comando do grito, os gatilhos são acionados. As balas vêm cantando em minha direção. Depressa. As balas estão com muita pressa. E vêm cantando em minha direção. As balas, duas delas, atingem meu peito à altura do coração. Outra me acerta no queixo. A mais cruel delas me perfura o crânio. Entre os olhos. Foi assim que eu morri.

Ressuscitei no terceiro dia e permaneço vivo até hoje. Por segurança, me mantenho incógnito. Assim como Osama, Hitler e Elvis. Do meu esconderijo hiper-mega-max-power-ultrassecreto, assisto a todos os filmes que fazem sobre a minha vida, paixão e morte. Nunca vi um filme sequer, dos milhares que existem, que fale a verdadeira verdade. Também nunca li nada que desfizesse esse equívoco. Creio mesmo que alguém sabe que minha morte se deu por fuzilamento e não por crucificação, mas jamais revelará esse segredo, já que todo o aparato da Igreja repousa sobre essa ilusão. Não é a cruz o símbolo do Cristianismo? Seria uma mão de obra imensa trocar a cruz por outro símbolo. Teriam que mudar todo o design, o papel timbrado, reescrever o Novo Testamento, refazer esculturas e pinturas de um Jesus pendurado na cruz. Melhor deixar do jeito que está.

Mas daqui do meu ninho, no meu Big Brother particular, onde assisto a todos os movimentos dos seres humanos, seus segredos mais íntimos e suas falhas mais descaradas, fico pensando numa possível revelação. Um dia aparecerei para alguém para contar a verdadeira história da minha morte. E esse alguém dirá a todos que Jesus Cristo foi fuzilado e não crucificado como a mídia afirma. Que toda a história, pelo menos o desfecho, está errada. Melhor não. Esse alguém poderá ser crucificado por semelhante blasfêmia. E uma distorção a mais sobre a minha existência, sobre a minha missão, a esta altura não faz a menor diferença.

Só me resta permanecer aqui mesmo, escondido, sonhando com um mundo melhor e acordando assustado com o pesadelo que quase toda noite de desperta. É quando ouço o grito do comandante do pelotão:
– Fogo!!
E as balas vindo cantando em minha direção.

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