DIÁLOGO DOS MUDOS (*) – (Tributo ao poeta Alcy Araújo) – Por Fernando Canto

Pedra do Guindaste – Arquivo de Floriano Lima.

Por Fernando Canto

– Ó Pedra! Ó Pedra do Guindaste. Nunca tive esta sensação tão esquisita. – O que ocorre nestas plagas?
– O que há, bela Fortaleza?
– Exala um perfume nas minhas masmorras.
– Deve ser a preamar do Amazonas…

Foto: Floriano Lima.

– Não, não me sinto molhada. E as águas já começam a baixar.
– Então pergunta ao Rio. Ele poderá te explicar, pois daqui também sinto o delicioso aroma.
– Anda, Amazonas, me conta a razão desta apreensão. Algo toma conta de toda a minha estrutura. Algo permeia em mim cruzando os baluartes. É uma fragrância inusitada que emerge das entranhas.
– Mas o que será?

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Não sei, ó Fortaleza, mas ontem vi um anjo viajando no meu dorso..
– Ele cantava rasgando a madrugada.
– E o que dizem suas canções, ó formoso Rio?
– Diziam que as dores de Rosinha se acabaram, que Sheerazade sucumbiu num turbilhão de areia no deserto e que os doces fiordes da Noruega congelaram subitamente.
– E o que quer dizer tal coisa, Rio dos Rios?
– Apenas testemunhei. Não cabe a mim a interpretação das melodias angelicais, Fortaleza da minh’alma.

Foto: Floriano Lima.

– Ah, esse trapiche que te adorna… Saberá ele de algo mais?
– Talvez saiba, ó símbolo telúrico, pois sua vigília vem de um tempo mais recente.
– Diz-me, então, ilustre madeirame, tu que conheces cada passo dos habitantes desta margem. – O que houve, o que está havendo?
– Ouvi o teu chamado, sólido vizinho. Pensei que havia chegado a primavera, pois adere nos meus pés de aquariquara a profusão desse perfume encantador.
– O que sabes, então, ó caminho para o Rio?

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Sei o que os barcos me falaram. Eu também vi o que o Rio testemunhou.
– Fala-me, por favor. Não quero mais esta angústia explodindo no meu peito.- Oh, sublime Marco da Conquista Lusitana, é triste a sina dos homens desta terra. Barcos, velas, velhas vigilengas andam a esmo, como em busca do abstrato. Dizem que quebraram os estaleiros e os portos se fecharam para sempre.
– Oh, não! O que haveria de causar todo esse encanto? Ó Sol, ó Sol, só tu poderás me responder. Diz-me agora Rei dos Astros, não te fecha em nuvens de ameaça.

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Fecho-me de tristeza, ó Fortaleza. A rosa que desabrochou pela manhã noticiou-me em prantos.
– Finalmente, Finalmente! Finalmente alguém sabe a causa da fragrância vinda do fundo da terra, do cheiro bom que se prolonga nos estirões do Rio e infesta o ar. – Conta-me, ó Sol, o que aconteceu?

Foto: arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

– Ocorreu na madrugada alcoolada o ternural fim do “Homem do Cais”.

(*) Texto escrito em 1989 e publicado no livro Introdução à Literatura do Pará, Volume V – Antologia. Organizado pela Academia Paraense de Letras pelos acadêmicos José Ildone, Clóvis Meira e Acyr Castro. Editora Cejup, Belém, 1995.

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