Discos que formaram meu Caráter – (Parte 31) – Afrociberdelia – Chico Science e Nação Zumbi (1996) – Por Marcelo Guido

Por Marcelo Guido

Salve moçada do bem!

Dentre destinos lógicos ou ilógicos de um mundo repletamente miraculoso, eis que este viajante retorna.

Com a vitrola completamente restaurada e com significância maior que a obviedade escarlate, volto das profundezas com minha nave sonora. Chega de papo e vamos ao que realmente interessa!

Abram alas para mais um discaço que realmente é de suma importância para mim e com certeza para muitos de vocês. Aumente o som para…

Afrociberdelia. Todos de pé …

Corria o ano de 1996, e a música brazuca estava realmente já tomada por feras; a juventude da época estava se esbaldando em muita coisa boa.

Tínhamos o Planet Hemp que já era consolidado como um grande nome; Os Raimundos eram o suprassumo da nova rebeldia; Charlie Brow Jr, com o chorão mandado ver em tudo que é lado e o O Rappa, fazendo a sempre boa e pontual crítica social que nos gostávamos e tínhamos que saber.

Vindos de outro eixo, deveras esquecidos, uns caras de Pernambuco (sim o Nordeste é Rock!) chegavam para abalar estruturas e cabeças por todo o solo brasileiro.

Curtindo louros do ótimo, Da Lama ao Caos (safra de 1994) – que vou falar em outra oportunidade -, os caras tinham consolidado o manguebeat e passavam pela pressão do segundo disco. Nada melhor que voltar às raízes e preparar algo realmente como gostamos de dizer hoje em dia: Raiz.

O peso constante do que a banda representava no palco, agora poderia ser degustado de forma condizente onde o ouvinte poderia sentir a energia dos tambores, rabecas, cocos misturadas à guitarra e ao baixo, à bateria, aos grooves e a porra toda. Um verdadeiro suco de brasilidade e história nordestina.

A poesia de mestre Salustiano, misturada com Jorge Mautner, junto com as letras de Chico de Assis deu uma aura diferente a tudo isso que estava proposto no disco. E caiu como uma verdadeira chuva de sobriedade na cabeça de gente como eu – na época só mais um escravo do rock internacional – que realmente olhava com aquele preconceito juvenil pra tudo que parecia diferente. Ainda bem que a música abre portas.

Vamos a uma verdadeira autópsia da bolacha:

“Mateus Enter” – Abre alas na porrada, anunciando a todos quem estava chegando. “Cidadão do Mundo” – Mostrava quem era a nação, e dizia que ali não existia nenhum besta. “Etnia” – A mistura latente de todas as nossas raças formadoras, mostrando a mistureba que somos. “Quilombo Groove” – Instrumental, sem deixar cair a potência. “Macô” – Mostra com outros olhos o interesse. “Um passeio no mundo livre” – Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar. “Samba de Lado” – Uma ode ao samba, o ritmo africano mais brazuca que existe. “Maracatu Atômico” – Releitura excepcional de um clássico. “O encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont no céu” – Onde mais o firmamento e desejo idílico soberbo de voar iriam se encontrar? “Corpo de Lama” – Que o sol não segue pensamentos e, se o asfalto for amigo, continuo caminhando. “Sobremesa” – Borboletas se equilibram no espaço, tais como pensamentos. “Manguetown” – onde iremos, onde estamos, aceitar ou não a realidade. Somos seres pensantes, independente da situação. “Um satélite na Cabeça” (Bitnick Generation) – Andando por cima da terra, controlando seu próprio espaço é onde você pode estar agora. “Baião Ambiental” – Instrumental pra relax. “Sangue de Bairro” – Baile Perfumado. “Enquanto o Mundo explode” – somos batizados pelo batuque. “Interlude Zumbi” – Onde o pensamento apareceu pela primeira vez no mesmo lugar. “Criança de Domingo” – Homenagem a o domingo, dia morto “Amor de muito” – A inebriante espera pelo amado (a). Fecha com a elementar e instrumental “Samidarish”.

Um verdadeiro míssil sonoro nos ouvidos. Medalha de ouro na categoria disco foda.

Esse artefato de boa música, quebrou barreiras com sua singularidade, mostrou que o legal era tocar em Recife, remete a vanguarda, apenas os gênios tem a coragem de fazer algo assim. E Chico era Gênio.

Largar as batidas americanizadas e fazer algo brasileiro e perspicaz é algo que necessita esforço, inteligência e ousadia. Tal qual um drible de Dener na mesmice.

Este foi o último trabalho de Chico Science, sua vida nos foi retirada de maneira esdruxula, por que não imbecil. Mas sua arte é e sempre será eterna.

Salve Chico! Salve a Nação Zumbi!

Marcelo Guido é Jornalista, Pai da Lanna e do Bento …Maridão da Bia.

Fui no mangue catar lixo, pegar caranguejo e conversar com urubu.”

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