Discos que Formaram meu caráter (parte 37) – “Brasil” Ratos de Porão (1989) – Por Marcelo Guido

Por Marcelo Guido 

Salve moçada de bem! O louco que viaja pelas ondas sombrias e sonoras vem mais uma vez de um universo distante, situado em escalas abissais, diretamente do fundo da própria cabeça, trazendo mais um punhado de sons e agouros para quem o lê. Tenho a honra de lhes apresentar:

“Brasil”, o quarto álbum dos caras do Ratos de Porão. Palmas pra ele!

Corria o ano de 1989, final da década perdida no nosso tropical país. As coisas por aqui não iam nada bem. Inflação na casa do caralho, uma enxurrada de planos econômicos falidos, cruzeiro sem valer quase que porra nenhuma e uma eleição presidencial com uma porrada de candidatos, com um povo completamente desqualificado para votar. É galera, a situação estava escrota pra cacete.

Nesse contexto que andava o Brasil, os caras do R.D.P procuraram inspiração para entrar em um estúdio e produzir este álbum que com o tempo provou ser um dos melhores na extensa discografia do grupo.

Na ativa desde o começo dos anos 80, a banda já era considerada um dos expoentes na cena punk brasileira, fazendo sempre um som coeso e de protesto. A inspiração vem sempre do dia-a-dia comum, das mazelas e desigualdades sociais vivenciadas pela maioria dos brasileiros. Você é o reflexo de uma sociedade que te oprime, não pode ser algo muito bonito. Mentir sobre nossa realidade, falar de sol, praia whisky e mulher de biquíni é função da bossa nova.

Com a inclusão de bases mais trabalhadas, e um som deveras mais “profissional” os caras que já tinham feito uma incursão pelo Metal não poderiam deixar de lado a influência vinda do Sepultura, que participara do disco anterior “Vivendo Cada dia Mais Sujo e Agressivo (1987)” e, com isso, já conseguia ser observada pelo mercado internacional.

O vocal crossover ao extremo, não foi mudado em absolutamente porra nenhuma, muito menos a temática das letras. Apesar de terem sido mordidos pela víbora metaleira, os caras não se propuseram a falar de dragão, castelo, cavalo alado e RPG. Miséria, violência policial e vícios continuaram na ponta da caneta nas letras dos caras. Por isso este disco se torna especial. O discurso Punk, recheado de revolta, não foi mudado. E foda-se o dragãozinho, a técnica apurada e as bruxas e os caralhos a quatro que as letras das bandas de rock pesado falavam na época.

Conheci este disco no ano de 1993, em um K7 mal gravado, uma fita TTK (imitação fajuta das boas TDK, que foi adolescente e curtiu som nos anos 90 sabe muito bem do que eu estou falando) e desde essa época este disco me acompanha.

Vamos ao que interessa e desmontar esse míssil sonoro:

O disco começa logo denunciando a sacanagem com nossos recursos naturais em “Amazônia Nunca Mais”. “Retrocesso”: o medo constante da volta dos tempos áureos da Ditadura militar. “Aids, Pop, Repressão”: clássico da banda cantada em todos os cantos do mundo, mostra o real caminho escolhido pela juventude na época. “Lei do Silêncio”: o medo da população, vítima do estado que deveria prover a segurança, principalmente na periferia dos grandes centros urbanos. “S.O.S País Falido”: os problemas sociais de um país falido, corroído pela inflação. “Gil Goma”: homenagem ao grande Gil Gomes. “Beber até Morrer”: uma espécie de autocritica. “Plano Furado II”: ode magnifica feita aos planos econômicos que prometiam a solução e só metiam no cu do povo mais pobre. “Heroína Suicida”: um alerta contra a badalada droga que tinha acabado de chegar por aqui. “Crianças sem Futuro”: o descaso com as crianças carentes no Brasil. “Farsa Nacionalista”: mais atual impossível. “Traidor”: alcunha cuspida pelos punks para a banda que se aproximava do Metal. “Porcos Sanguinários”: grito contra a opressão policial. “Vida Animal”: olhos vendados como gado, assim caminha a sociedade. “O Fim”: instrumental. “Máquina Militar”: o sistema te condiciona a matar e a servir. “Terra do Carnaval”: a apatia social, e a “bundamolice” do brasileiro. “Herança”: uma crítica sobre os programas policiais que expõe os familiares das vítimas.

Putaquepariu que disco foda meu irmão.

A singular capa desenhada pelo quadrinista Marcatti, com um cara com roupas maltrapilhas, campo de futebol e toda a sacanagem ao redor, serviu de denúncia ao mundo que ainda achava que nossa terra era só alegria, com o Zé Carioca do Wall Disney.

Este disco abriu muitas portas para os caras. Gravado na Alemanha, e com duas versões, uma em português outra em inglês. Se tu te metes a entender de rock e não conhece, tua medalha de foda não merece estar contigo.

Um disco atual, que pode ser tocado em alto e bom som hoje em dia. Um marco essencial na carreira do RDP. A mistura do Metal Crossover na mistura com Punk Hardcore, que coloca o Ratos na vanguarda, cria para si um estilo próprio e hoje em dia muito copiado.

Na real, um disco atualíssimo, pelo simples fato de que pouca coisa mudou em 30 anos. Enquanto existir miséria e opressão e a destruição da educação for política de estado em prol de uma minoria, este disco será imprescindível.

Infelizmente, a apatia é grande e a crise é Geral.

Punk Rock na veia. Vida Longa ao Ratos de Porão!

* Marcelo Guido é Jornalista, Pai da Lanna Guido e do Bento Guido e Maridão da Bia.

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