Crônica de Fernando Canto
Existes entre a sombra e a luz, intermitentes que estão no labirinto da memória, a percorrer caminhos e a se manifestar no interlúdio do ser e do fazer. E aqui estou eu: teu último e logo um sentimento ardeu e explodiu sobre os troncos vindos com a maré. Eu fora amor pretensioso, mas calmo e lídimo servo a te querer imperiosa dentro de mim.
Vem. Sou profundo sulco na lage manchada de sangue e alimento, ali onde pranteei mágoas escavando tesouros inexistentes em séculos abarrotados de mistérios.
Macapá, oh Macapá!
Proposta a construção de eterna arquitetura (pedra, pá, fome e pão. E o homem e a mão do homem), não mentirei à evidência do ferro e da argamassa nem açoitarei a equação imutável do destino.
Amo-te aumentando os quadrantes do meu coração, como no dia em que descobri tuas ondas de ouro o tronco e o rio e tu foras eu. E nos afundamos e voltamos à tona, nos tornando água, areia, barro e espuma.
Lembro que eram dez da manhã e eu vendia jornais ao largo do velho hotel de tua frente, olhando a imensidão da foz do rio. O limite dos meus pés era uma tábua quebrada da última pilastra do trapiche Eliezer Levy.
Desde então interrupções se fizeram aniquilantes como espirais contínuas e descontínuas em vácuos e ocos obstáculos, marcados pela hipocrisia, mas hoje todos ultrapassados pelo triunfo do amor, assim como um barco vence as ondas nos temporais das travessias.
O raio é uma estrada que me leva a ti insinuando a ligação umbilical jamais cortada, porque és doce romance a ventilar heróis aposentados e guardiã das horas que te fiz amante.
Existes ainda ao alcance de qualquer aventureiro, até aos que desconhecem a existência da poeira sob o asfalto, a piçarra que absorve a chuva de sentidos e a lama que cura a covardia.
No teu corpo, passos de dança intuem que andas para um milênio retumbante de canções e de dores debruçadas nos giraus. Por isso te ofereço minhas mãos e me declaro: o meu amor por ti não retrocede, vaga; não permanece, muda. Porque o amor sem movimento morre e, então, esbanjo a força do que sinto no gesto de ofertar-te a flor. Mais uma vez.
P.S. o presente trabalho, revisto pelo autor, foi publicado originalmente na página “Jornal do Amapá”, No. 334, editada pelo jornalista Hélio Pennafort in “A Província do Pará” de 02 de fevereiro de 1992.
*Fotos de Floriano Lima