Dois sobrevoos pela nova música que vem do Amapá (texto da revista IstoÉ atualizado)

Um canto de Brasil de linguagem poética, rítmica e melódica bastante particular e raramente visitado pelos próprios autores brasileiros foi tema de uma mostra de dois dias, 3 e 4 de agosto, últimas quinta e sexta-feira respectivamente, no Sesc Pompeia. Noites de Marabaixo, com produção executiva de Débora Venturini e curadoria e direção artística de Dante Ozzetti, fez, pela primeira vez, um sobrevoo pela diversa produção amapaense.

A cantora que tem aberto trincheiras para a valorização de compositores e músicos do Amapá é Patrícia Bastos, de Macapá. Seu álbum Batom Bacaba, lançado em outubro de 2016, foi indicado para melhor disco de MPB no Prêmio da Música Brasileira deste ano, perdendo para Abraçar e Agradecer, de Maria Bethânia. Baton Bacaba eleva a criação nova de seu Estado ao desacorrentá-la dos formatos de “música amazônica” convencionais, com menções a pássaros e rios, retratadas em geral por artistas do eixo Rio-São Paulo.

A produção que o torna universal foi de Dante Ozzetti, compositor e cantor de visão holística, sem separar características rítmicas de melódicas. Seu mergulho foi tanto que, no mesmo 2016, ele lançou Amazônia Órbita, um trabalho de abordagem sinfônica que surpreende qualquer ideia do que pode ser a música amapaense.

Com tal histórico, não poderia ser diferente. A noite da última quinta (3), Patrícia Bastos, que recolocou no palco o elogiado show de Baton Bacaba. Ná Ozzetti, irmã de Dante, foi convidada especial. O disco de Patrícia é, por si, uma mostra da presença de nomes dignos do primeiro time da composição brasileira, como Joãozinho Gomes, Val Milhomem e Paulo Bastos. “Joãozinho, para mim, está no mesmo patamar de um Chico Buarque, de um Luiz Tatit. Ele usa as particularidades amazônicas de forma sutil, poética, como ninguém”, diz Dante.

A segunda noite, sexta (4), foi mais diversificada. Dante escalou o cantor e guitarrista Finéias Nelluty, representante das sonoridades mais pops, misturando ritmos da vizinha Guiana Francesa com os bregas nortistas. A jovem cantora Brenda Melo, de 24 anos, tem em Patrícia uma referência. Silmara Lobato vem da banda Negro de Nós, com repertório de baile e foco no reggae e nas formas como o Norte digeriu o Caribe em sua história. Oneide Bastos é uma cantora de recursos refinados e repertório autoral (ela também compõe).

Mãe de Patrícia, se tornou a primeira mulher de seu Estado a lançar um disco. “Mudei alguns arranjos de suas gravações originais, retirando acompanhamentos de teclado e escrevendo para clarone, flauta e violão. Quero que sua voz apareça mais”, conta Dante. O grupo Senzalas, nome reconhecido da música nortista, fez uma rara aparição, com Joãozinho Gomes, Val Milhomem e Amadeu Cavalcante.

O compositor e percussionista Paulo Bastos antecipou três canções do álbum solo Batuqueiros, previsto para sair em setembro. Ele é produtor também do grupo Afro Brasil, que vem a São Paulo direto do Quilombo do Curiaú, um recanto nas redondezas de Macapá onde os negros descendentes de escravos ainda cultivam as formas artísticas da época da colonização. É de lá que saem o particular batuque do Curiaú e um marabaixo, ritmo exclusivamente do Amapá, com um sotaque diferente de seu primo gestado em outra comunidade, na cidade vizinha de Mazagão.

“O Amapá tem as ligações com a música trazida pelos negros africanos na forma mais pura”, diz Paulo Bastos, comparando com as influências africanas de outros Estados, como Rio e Bahia. O que forma a identidade de seus artistas é também o que transborda da vizinha Guiana Francesa em ritmos como o cacicó e o zouk. “Não basta usar elementos como índio e árvores para se falar de Amazônia”, afirma Dante. “Esses artistas vão além disso.”

Fonte: Revisa IstoÉ, via jornal O Estado de S. Paulo.

Meu comentário: tenho certeza que Noites de Marabaixo foi lindão. Parabéns aos nossos artistas, sobretudo, aos queridos amigos deste talentosíssimo grupo.

*Fotos: Sesc Pompéia e Facebook dos artistas amigos que estavam no evento.

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