Crônica de Ronaldo Rodrigues
Quando morrer, quero ser sepultado de óculos. Preciso ver o que há (se há) do outro lado da vida/da morte. Fernando Pessoa, que era muito mais sábio que eu (que tu e que todo mundo), pediu os óculos antes de morrer. Suas últimas palavras foram exatamente essas: “Dá-me os óculos!”. Não acredita? Taí o cantor/compositor Sergio Salles que não me deixa mentir. Ele compôs uma bela canção sobre esse fato.
Mas o que eu quero dizer (e o que é que eu quero dizer?) é que quero ir para o outro lado da morte/da vida usando óculos, para ver com clareza tudo o que imagino existir do outro lado. Se bem que, às vezes (como agora), imagino que tudo o que se revelar depois da morte estará totalmente fora de qualquer especulação que se possa ter feito aqui, em vida. Será um desafio a qualquer imaginação. O delírio mais desvairado será incapaz de ser tão alucinado quanto a verdade que a morte vai nos trazer.
Pensando bem, neste momento, digo que não! Não quero óculos! Em alguns momentos (como agora), achei que os óculos eram demais na vida. Será do mesmo jeito depois da vida. Deixem-me míope também na morte. Deixem que minha visão fique turva para toda a eternidade. Na morte, não precisarei nem dos olhos. Sempre acreditei que tudo o que veio comigo nesta vida é emprestado. As mãos, a língua, as orelhas, os cabelos, o sexo… Que retornem à terra, pois, se vim dela, devolverei a ela tudo que usei. Portanto, nada de óculos! Pelo menos enquanto não mudo de ideia. Ou de óculos.