Então, Foi Assim? – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Arte de Ronaldo Rony

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Há 22 anos vivendo em Macapá, esta cidade e, por conseguinte, todo o estado do Amapá não só virou meu lar como meu campo de observação e pesquisa. Sempre que posso e a ocasião se apresenta, absorvo o máximo da história deste lugar. Recentemente caiu em minhas mãos o novíssimo livro Então, Foi Assim? Os Bastidores da Criação Musical Brasileira, volume dedicado à música amapaense. O livro do paraense Ruy Godinho é resultado de uma pesquisa de fôlego (fôôôôlego!) e noto o cuidado com que ele se debruçou sobre a produção musical daqui e o respeito pelas tradições e pelas pessoas mantenedoras dessas tradições.

Pois bem. Através de seu bem escrito livro, Ruy Godinho vai aumentando meu conhecimento sobre a terra que me abrigou com tanta generosidade, abrindo perspectivas e levantando novos aspectos dessa arte que é parte fundamental da vida de todos nós: a música.

Entre confirmações do que eu já sabia e surpresas que o livro revela, me deparei com várias informações que agora passo a quem se interessar. Ei-las:

– Aprendi que “ladrão” de marabaixo é algum fato engraçado ou vexatório da vida de alguém relatado pelo canto, um “roubo” daquela situação, que deixa de ser particular para fazer parte do anedotário da comunidade. Pode ser uma “tiração de sarro”, uma crítica ou uma homenagem. A informação anterior que eu tinha (que não deixa de ter fundamento) é que se chama “ladrão” o verso cantado de improviso entre o refrão, sendo que um cantador “rouba” para si a vez de cantar.

– Aprendi que as músicas Bacabeira e Mandala a Mandela foram feitas num encontro etílico-criativo de vários dias entre Enrico Di Miceli, Cléverson Baía e Joãozinho Gomes. Encontro este cuja pauta era a criação de um jingle para campanha eleitoral. O jingle foi feito em outro momento, novo encontro etílico-criativo. O final da história é que o cancioneiro popular amapaense ganhou duas belas músicas e o horário eleitoral ganhou um jingle legal, que ajudou a popularizar o nome do candidato e fez parte de uma campanha vitoriosa.

– Aprendi que a letra da música Mal de Amor (que eu considero ambas, letra e melodia, verdadeiras obras-primas) foi escrita de uma só vez. Joãozinho Gomes, ouvindo a música composta por Val Milhomem, foi tomado pela necessidade de escrever que não teve tempo nem de sentar, se acomodar. Saiu uma letra linda, com o poeta escrevendo em pé mesmo.

– Aprendi que o fato acima relatado é uma exceção no processo criativo de Joãozinho Gomes, que prefere sentar e burilar as palavras, pacientemente, num trabalho em que a transpiração ocupa muito mais espaço que a inspiração e o transforma num poeta artífice de sua arte. Mas o que me chamou atenção no processo criativo desse letrista que é, com toda justiça, o mais requisitado para vestir uma melodia com a maestria das palavras, é o uso de um violão. Como não toca o instrumento, o violão serve para Joãozinho procurar os acordes imaginários (que se tornarão reais nas mãos de um instrumentista) que suas palavras indicam. É o violão “psicológico”: real, físico, mas usado como emissário da imaginação de Joãozinho. Interessante.

– Aprendi que o primeiro LP gravado no estado do Amapá foi em 1973. O nome do disco é Marabaixo e foi gravado pelo grupo Os Mocambos, liderado pelo violinista Hernani Vitor Guedes.

– Tive a confirmação de que Osmar Junior, além de grande poeta musical, é o elemento aglutinador e catalisador do Movimento Costa Norte. E o disco Sentinela Nortente, de Amadeu Cavalcante com as músicas do Osmar, é o marco inicial do movimento, que este ano completa 30 anos.

Poderia citar várias informações que o livro me trouxe, mas me contento em ficar por aqui. Não sem antes apontar algumas derrapadas do autor que, como pesquisador, é humano, portanto falível. Lá vão:

– O nome da fundação que antecedeu a Secretaria de Cultura é FUNDECAP e não FUNDACAP.

– Alguns erros de grafia, perdoáveis (ou não?) no conjunto da obra: Hobin Hood em vez de Robin Hood e Haroldo Pedrosa, em vez de Aroldo Pedrosa (não sei se este vai perdoar!). E um erro de atenção na letra da música Igarapé das Mulheres: “as Joanas, Marias, Deusas, Margaridas…”, que virou “as Joanas, Marias, Creusas (ui!), Margaridas…”.

Mas no final deu tudo certo e a iniciativa está de parabéns. Percebi respeito e admiração do autor pelos artistas da música, pela história de cada um. E me despeço com uma frase pinçada do livro, pertencente ao meu compadre Paulinho Bastos: “A gente não nasce sabendo. A gente nasce aprendendo”. É isso!

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