Eu de uber, quem diria? – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Quem acompanha minhas crônicas sabe que sou um ser analógico tentando sobreviver nesta floresta tecnológica. Há uns cinco meses, arrisquei esquentar um rango no micro-ondas e – pasmem! – não é que consegui? E sozinho! Postei até um vídeo na internet relatando o fato.

Pois é, eu sou assim: minha atuação mais elementar nesta selva de aparelhos, aplicativos e programas é um avanço enorme no meu currículo de pessoa conectada com este presente já com cara de futuro. Ou que tenta se conectar, já que não há outro jeito. Aí eu alardeio aos quatro ventos dos quatro cantos do meu mundinho real e virtual qualquer coisa que uma criança teria feito sem dificuldade alguma. Já recebi comentários tipo este: – Tá vendo? Todo mundo consegue. Até tu! kkkkkkkkk

A minha última façanha (não a última, a mais recente) nesse campo foi baixar o aplicativo de uber. Tive que comprar um celular decente, já que o anterior não comportava quase nada, um aparelho que nunca tinha ouvido falar em download. Outra coisa que me diziam sempre: – Quando é que vais tomar vergonha nessa cara e comprar um celular de verdade?

Pronto! Comprei o tal celular de verdade! Aí baixei o aplicativo, com o auxílio luxuoso de esposa e filho, e venci mais uma batalha. A próxima prova foi chamar um uber. Também com o auxílio da família, fiz a primeira viagem e tudo saiu do jeitinho que deve ser. Hoje, já me desenrolo fácil e os amigos, curiosos e incrédulos, me enchem de perguntas: – E aí? Qual a sensação de pertencer ao mundo? – Achavas que ias ficar imune aos encantos da tecnologia? – Não te falei que era fácil? – Já aprendeste a avaliar o motorista?

Pra mim, avaliar o motorista é facílimo. Faço a seguinte ponderação: como os tempos estão meio violentos e alguém pode muito bem se passar por motorista de uber pra roubar as pessoas, se não sou assaltado, o cara já ganha cinco estrelas. Só vou avaliar o motorista com menos que isso se ele me assaltar, me bater, me expulsar do carro ou me deixar num lugar bem distante de onde eu queria ficar. Neste último caso, a culpa é mais do GPS, que insiste em mudar minha rota e eu tenho que ficar orientando o motora.

Um outro quesito é a trilha sonora, a seleção musical. Geralmente é música que eu não aprecio, mas como o volume é baixo e ninguém pediu minha opinião, não tem problema e nem por isso o cara deixa de ganhar as cinco estrelinhas. Outro dia até quis que a avaliação passasse de cinco estrelas, tal foi o grau de contentamento que tive. Pois do som do carro não vinha nenhum cantor chorando, falando vulgaridades, gritando ou esmurrando a língua portuguesa. Vinha, sim, um inglês britânico acompanhado de alguns instrumentos que uns garotos de Liverpool tocavam com toda a vontade. Isso mesmo! Também custei a acreditar que os Beatles estavam ali, executando suas primeiras músicas, acompanhando eu e minha esposa na volta pra casa. Quando o carro parou diante de uma faixa de segurança, vi os quatro atravessando, como naquela famosa foto na Abbey Road, em Londres. Mas aí era sonho.

Na descida, agradeci e elogiei o gosto musical do motorista. Ele ganhou as cinco estrelas e entramos em casa pra ouvir mais umas sessões de Beatles: I wanna hold your hand / I wanna hold your hand…

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