Exemplo de dedicação

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Eu estava andando pra casa quando fui abordado por um sujeito que tremia muito. Ele tinha um revólver na mão direita. A mão esquerda comprimia contra o peito um fardo enrolado em pano branco que não identifiquei. Ele estava tão nervoso que não conseguia dizer o que queria. Tive que ajudá-lo:

– É um assalto! É isso que você está querendo dizer?
– Isso mesmo! É um assalto! Um assalto!

Tentei tranquilizá-lo:

– Tenha calma! Já fui assaltado por você antes. Faz uma semana. Você parecia bem mais sereno, seguro do que estava fazendo.

Ele olhou para os lados, vendo se vinha alguém, respirou fundo e retomou um pouco da calma que o caracterizava naquele tipo de profissão. Tudo bem que a situação de um assalto é algo que mexe com a gente, assaltante e assaltado, mas ele tinha estrada, conhecia bem o seu ofício. Eu procurava deixá-lo bem relaxado. Afinal, se desse merda, eu seria a parte mais vulnerável:

– Escuta, porque não sentamos um pouco e conversamos? O assalto está garantido. Vou lhe dar uma grana legal. Só quero que você fique frio.

Ele olhava pra mim, olhava para o fardo no colo, eu insistia:

– Alguma coisa está acontecendo de diferente. Esse seu nervosismo não é normal. Qual é o problema?

Ele ia responder, quando veio um som do fardo que carregava. Eu jurei que era choro de criança pequena. E era:

– Você tem um bebê aí no colo?

Aí ele começou a chorar também, mais alto do que o bebê. Eu continuei a minha tentativa de ajudar:

– Deixa eu pegar o seu revólver. Aí você fica com as mãos livres pra cuidar do bebê.

Ele olhou meio desconfiado, mas aceitou a sugestão. Me deu o revólver, agasalhou melhor o bebê e tirou do bolso da bermuda larga uma mamadeira. A criança passou a sorver com sofreguidão. Algumas pessoas passaram por perto. Eu tinha guardado o revólver e ninguém percebeu que aquela cena era uma pausa de um assalto. Para as pessoas, aquilo era só um pai alimentando o seu filho. A senhora que passou por último alertou que era tarde pra estar com uma criança na rua:

– A cidade estava cheia de ladrões!
– Não se preocupe. Eu já vou voltar pra casa. – disse o pai, já terminando de amamentar a criança.

Ele me contou que sua mulher havia ido embora de casa e deixado o filho:

– E não consegui ninguém pra tomar conta dele. Eu tenho que trabalhar, senão como é que vou conseguir dinheiro pro leite e pras outras coisas? Tive que trazer o moleque.

Olhou com meiguice para o filho:

– Ele é tão bonzinho. Só chora mesmo quando a fome aperta.

Eu devolvi o revólver e juntei mais 100 reais aos 200 que tinha reservado antes:

– Taí uma grana legal. Você vai poder ficar em casa uns dois dias, sem ter que sair pra trabalhar. Nesse tempo, você procura alguém pra tomar conta da criança. Quem sabe até a sua mulher volta.

Ele, que já estava bem tranquilão, fechou a cara:

– O quê? Isso é que não! Ela pode ficar lá onde tá! Não preciso dela! Eu me viro sozinho! Obrigado, moço!

Ele já ia batendo em retirada quando gritei, aconselhando:

– Vá pra casa!
– Já tô indo! E obrigado de novo!

Também peguei meu rumo, pensando que surpresas ainda estariam reservadas pra mim nesta vida.

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