EXPEDIENTE EMBAIXO DA MANGUEIRA – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Outro dia, ao passar em frente ao Centro Administrativo do Governo, na Avenida FAB, encontrei alguns antigos funcionários públicos na mais animada conversa sobre as eleições que se aproximam. O “papo” estava bom e assunto puxava assunto. Um bolinho de gente adiante falava sobre o campeonato de futebol local e o que o Governo estava investindo nele visando votos. Eram técnicos de bom nível dando a entender que de tudo um pouco sabiam, mas que podiam fazer melhor do que “esses aí que estão no poder, que não fazem nada”. E eu só ouvindo. Perguntei onde trabalhavam agora. Disseram: – Aqui debaixo da mangueira. Lá na repartição não tem lugar nem pra gente sentar. Como passei outras vezes no mesmo lugar e a conversa era sempre a mesma, achei aquilo mais absurdo que engraçado.

Curiosamente, conversando com um professor da Universidade, ele tocou no assunto, aprofundando-o, em relação às limitações do planejamento democrático e igualitário, informando tacitamente que um dos seus fatores mais graves está na dificuldade de lidar com a máquina pública administrativa. E que as questões políticas parecem favorecer a criação de obstáculos aos novos caminhos do planejamento e gestão.

“O ‘Expediente’ sob a árvore é um desperdício de Recursos Humanos. Os servidores que lá se encontram não sabem trabalhar com o contrário. Ficam ali muitas vezes sentados naqueles bancos que se assemelham a bandeirinhas de São João e são comuns nas barraquinhas de venda de tacacá. É tudo muito alegórico. Ficam para bater o ponto de entrada e de saída do expediente e nada produzem, a não ser conversa fiada”, observou o professor.

A questão do absenteísmo que muitas vezes é causada pelo alcoolismo ou outra doença, não existe embaixo da mangueira na forma textual do seu conceito. Os funcionários comparecem para assinar o ponto, mas não trabalham. Só somem mesmo no dia do pagamento e depois reaparecem numa segunda-feira chuvosa com um sorriso amarelo, prontos para fazerem suas análises e críticas políticas diárias.

Não sei se se pode dizer que isso iniciou com o processo democrático da eleição no Estado, quando os que saíram do poder tiveram que abrir mão de seus cargos, porque seus adversários ocuparam seus postos e lugares políticos. É bem verdade que no primeiro Governo do Território do Amapá ou o caboclo trabalhava ou ia para a rua. E o anedotário sobre o assunto é bem grande desde o tempo de Janari e dos governos militares. É muito conhecida a história do saudoso Paulino Ramos que detinha um cargo no Governo do seu amigo Azevedo Costa, mas não ia trabalhar na Prefeitura e nem debaixo da mangueira.

Um dia um servidor do Gabinete lhe levou o ponto de três meses atrasados para assinar. Ele reclamou: “- Xii! Comexô a perxiguixão!”

Mas hoje muita gente enfrenta essa situação por falta de adaptação aos novos tempos (tecnologia, salário reduzido, etc.) e por não concordar ideologicamente com as ações do governo contrário. Há, ainda, a falta de fiscalização e uma grande tolerância por parte do Poder Público (aquele que estiver no poder), que não endurece porque pode ser chamado de “perseguidor político”.

Porém, os funcionários que ficam embaixo da mangueira têm esperança de no próximo Governo ocuparem seus antigos cargos. Afinal a democracia permite a alternância de poderes, e de ciclo em ciclo a mangueira aninha seus servidores críticos mais diversificados. Quer chova ou faça sol, rotatividade é ali mesmo, na terra dos funcionários públicos.

 

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