Fazendo contato

Crônica de Ronaldo Rodrigues
 
Sem ter muito o que fazer, estava escarafunchando meu celular e fui bater na lista de contatos. Fiquei passando os nomes que lá estão. De repente, deparei com um número que permanece lá, o do Ginoflex. Aí, me passou uma loucura pela cabeça, que é pra isso que cabeça serve:
 
– E se eu ligasse para o Gino? Pensei cá com meus botões. Meus botões não deram muita trela, mas é sempre assim quando apresento uma ideia absurda. Argumentei que nenhuma ideia é absurda quando envolve o Gino. Liguei e adivinhe o que aconteceu!
 
Pausa para o suspense. Finja ouvir uma trilha de filme de Hitchcock.
 
Não aconteceu nada. Achei normal, já que o Gino não está mais entre nós. Tentei outra vez e (agora sem suspense) adivinhe o que aconteceu! Ouvi, do outro da linha, uma voz cavernosa, típica de quem acabou de acordar:
 
– Alô? Quem ousa interromper meu sagrado descanso? Nem aqui a gente pode ficar em paz?
 

Fiquei mudo, é lógico! Aquela voz, com aquele bom humor ranzinza, era característica do Gino. Fiquei ali, parado, sem ter o que responder, dando razão aos meus botões e achando absurdo tudo aquilo. A voz se fez ouvir novamente, me confirmando que se tratava mesmo do meu amigo Ginoflex:
 
– Ei, Gabiru! Já que tu me acordaste, fala logo que eu tenho que partir pra uma missão. Tem vinte plécos aí pra me emprestar?
 
– O Gino continua o mesmo, falei com meus botões, que desta vez me deram crédito. Por falar em crédito, eu precisava falar logo alguma coisa. Crédito para o além deve cair com maior velocidade:

– Gino, tu não podes falar comigo, nem com ninguém. Muito menos pelo celular. Tu estás morto!
– E tu achas que eu vou parar de falar só por causa disso? Nem morto!
 
O jeito era continuar aquele insólito diálogo:
 
– E tu não sabes quem está falando?
– Claro que não, Gabiru! Quando eu tava vivo já não conseguia ler essas letrinhas no visor do celular, alvará agora! Agora mesmo é que eu não tô nem vendo!
– Aqui é o Ronaldo, teu amigo, que tá falando. Eu estava fazendo uma brincadeira e liguei pra ti só pra ver o que acontecia.
Aí, ele respondeu, no meio daquela gargalhada interminável:
– Porra, Curare! Que bom falar contigo, cara! Mas tu não para de fazer cagada!
– É que eu tive um excelente professor aqui em Macapá…
– Já que tu estás aí, e aproveitando que essa merda de telefonia aí da Terra tá funcionando, eu quero que tu dê um papo pra esse pessoal que ficou aí!
– Claro! Pode mandar!

– É uma coisa muito séria, muito importante!
– Fala logo! E não fica repetindo que a coisa que tu tens a falar é séria senão eu não acredito que és tu!
– É uma coisa que vai abalar todas as estruturas! Vai fazer acordar as pessoas! Vai abrir a cabeça de toda uma geração! A maior mensagem que a humanidade pode receber! É o seguinte…
 
Pausa longa.
 
– Fala logo, caralho! A ligação pode…
 
Tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu
 
– …cair! Alô? Alô? Gino! Responde! Responde, porra!
 
Voltei a falar com meus botões:
 
– Esse Gino é foda…

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