FOGUEIRAS APAGADAS – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Quando chega a época de São João vejo muita alegria nos olhos das pessoas. É um tempo saudável de festas, inesquecível na vida de quem um dia se arriscou a dançar ou a participar de alguma forma dos seus rituais. Rituais estes que se modificam no decorrer dos anos, quando se abandonam práticas que se tornam obsoletas e que não condizem mais com a modernidade instaurada violentamente pela mídia ou pelos costumes.

Um dia desses um amigo me confidenciou que não gosta mais de assistir “essas quadrilhas todas doidas, cheias de remendos e recortes musicais que mais parecem um arremedo de bailado antigo”. Disse que se trata de uma caricatura das quadrilhas do passado, que devido às competições se tornaram visivelmente cultura de massa, feitas para um público ávido de olhar mais a sensualidade das meninas quase nuas do que os passos seguros e graciosos da dança de salão mais popular do Brasil, nessa época. Disse-me ainda, com um ar de tristeza, que o São João está carnavalizado e que só falta colocarem abadás nos participantes para desfilarem na Beira-rio.

Certamente esse é um ponto de vista interessante, e um tanto exagerado, tendo em vista que os costumes e as tradições se modificam com o tempo, e que agregam valores quando necessitam e desprendem outros quando não mais precisam. Daí a palavra tradição significar “transmitir”. E transmitir de uma geração para outra, absorvendo tecnologias novas e inúmeras outras formas de expressão, linguagem, comunicação e de desempenho. Os tempos atuais exigem essas mudanças na essência de qualquer manifestação popular, para que elas não se agonizem, para que não morram. Não podia ser muito diferente com as práticas populares das festas juninas.

Hoje, com a evidência dos valores ambientais, com a condução da tradição das festas juninas nas escolas e outras instituições, poucos se arriscam, por exemplo, a acender uma grande fogueira na rua, conscientes que estão do incômodo que poderão causar à vizinhança e, sobretudo, de estarem sujeitos a responder a algum processo por crime ao meio ambiente, se acaso os setores repressivos da área forem chamados para intervir. Há um constante cuidado de se fazer tudo “politicamente correto”.

O São João das fogueiras, dos compadres e comadres que “passavam fogueira” praticamente se acabou. Hoje ocorre mais nas quadras das escolas e salões de clubes, com os compressores de ar movimentando as pseudo-chamas sobre um amontoado de isopores que imitam a fogueira. As músicas envolventes dos ritmos nordestinos não foram substituídas totalmente, mas há uma forte tendência a ter os modismos musicais incorporados, dependendo do descuido do promotor da festa e do enxerimento do tal “didhei” (DJ), que controla a aparelhagem de som.

Ainda bem que em Macapá não temos a tradição de soltar balões. Seria o caos ambiental. Entretanto, se alguém passar em frente a uma sede onde se realizou uma dessas festas vai constatar que o cuidado com o meio ambiente está mais para discurso do que para a prática: palmeiras cortadas na véspera ficam fincadas por dias no local e o lixo se espalha ao sabor da chuva e do vento sem ninguém se tocar.

Para mim o tempo de São João é um tempo meio adolescente, um tempo de lembranças e de amores infantis que se perderam no espocar dos foguetinhos. O São João é um tempo em que os sonhos se confundiam com o colorido das bandeirinhas. Um tempo em que as brincadeiras da época agora parecem contracenar com a gente, neste cenário onde o fogo das fogueiras é uma ilusão que se apaga paulatinamente em nossas vidas.

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