Hoje é o Dia Mundial da Saúde Mental

O Dia Mundial da Saúde Mental é celebrado hoje, 10 de outubro. Esta data foi criada em 1992 pela Federação Mundial de Saúde Mental (World Federation for Mental Health).

O objetivo da data é chamar a atenção pública para a questão da saúde mental global, e identificá-la como uma causa comum a todos os povos, ultrapassando barreiras nacionais, culturais, políticas ou socioeconômicas. Combater o preconceito e o estigma à volta da saúde psicológica é um outro objetivo do dia.

O Brasil lidera rankings de depressão e ansiedade. Vale ressaltar que, na última quarta-feira (9), o presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, vetou integralmente o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, que exigia psicólogos e serviço social nas escolas da rede pública de educação.

Hoje é o Dia Mundial da Saúde Mental  – Por Janisse Carvalho

Hoje, 10 de outubro, comemora-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Mas será que temos o que comemorar?

A questão da loucura sempre foi um tema desafiador para limitada compreensão do homem. Nos séculos XVIII/XIX, com advento das revoluções burguesas, o desenvolvimento do capitalismo na sua maneira mais perversa e sutil e os avanços da ciência moderna criou na cabeça de homens e mulheres a ilusão do saber sobre a loucura. Nesta época, havia uma necessidade quase que neurótica de domínio da razão sobre a “emoção”, ou paixões atribuídas a esse fenômeno. Nasce a psiquiatria e com ela infinitas técnicas de reabilitação que iam desde o confinamento total, a sangrias, banhos, choques elétricos, lobotomias e morte social.

Infelizmente essa ilusão fez com que milhares de pessoas ditas loucas fossem colocadas no lugar da não-existência, de anonimato total. Aprisionadas em grandes hospitais mais conhecidos como manicômios, essas pessoas parasitavam a vida. E o projeto psiquiátrico de cuidar do louco e reinseri-lo na sociedade foi se mostrando falho e incompetente para cumprir tal missão.

Só no final do século XIX inicio do XX que começam a surgir, dentro e fora da própria psiquiatria, experiências que privilegiam a pessoa que sofre. Na década de 1960 surge na Itália a psiquiatria democrática, que recebe este nome por acreditar que é na relação médico-paciente que se encontra a semente de uma grande transformação. Este projeto propunha colocar a doença mental, como era denominada a loucura naquela época, entre parêntese, e olhar a pessoa na sua amplitude, isto é, dar ênfase não mais a doença, mas às potencialidades de cada sujeito.

Este foi outro termo cunhado a partir desta experiência: sujeito. Não mais paciente, aquele que espera, mas sujeito, aquele que atua. Para tanto, o médico (hoje o psicólogo, o assistente social, o enfermeiro, etc) deveria se abster de seu mandato social de principal detentor do saber sobre a loucura e compartilha-lo, democraticamente, com os sujeitos atendidos. Dito de outra maneira, no cuidado em saúde mental, eu e meu cliente estamos em pé de igualdade no que diz respeito ao sofrimento. Eu aprendi a caracteriza-lo, classifica-lo, ele o vive. E quem vive, saber falar muito bem porque sente.

Esta e outras mudanças propôs Franco Basaglia, idealizador desta reforma e que influenciaram a construção da política de saúde mental brasileira. Hoje, nós, militantes do movimento da reforma psiquiátrica recebemos muitas as críticas, que na sua grande maioria se fundamentam na necessidade imediata de pessoas que convivem com o problema dentro de casa. Contudo é mister fazer hoje uma suspensão dessa urgência, para entender que quem sofre com uma pessoa acometida por transtorno mental ou por dependência química dentro de casa por exemplo, e não encontra serviços disponíveis para o atendimento, possui uma necessidade urgente inscrita num contexto historicamente construído, ou seja, o problema precisa encontrar respostas imediatas, porém sua resolução é processual e implica numa série de transformações culturais, econômicas, políticas e sociais.

A solução não é só internar e remediar. A solução deve ser construída. A solução não é tão pouco criar CAPS e diminuir leitos somente. A solução, infelizmente, não está “debaixo do nosso nariz”. Não há soluções prontas para a solução!

Mesmo porquê, se a loucura é hoje para nós um problema, muito se deve ao histórico e epistemológico sobre a ela. E nesse processo, existem muitos outros interesses em jogo do que o simples ato de internar ou não internar.

Falar de democracia num contexto onde até os que se acham sãos não conseguem vivencia-la, parece realmente ser uma missão impossível. Felizmente, a reforma avança, aos trancos e barrancos, mas realmente, temos muito o que se comemorar e muito mais ainda para avançar.

A resposta de Pinel ao desacorrentar os loucos e transformar o sofrimento mental em objeto de estudo, levou a humanidade pagar um preço muito alto em nome de uma cura que nunca veio. Já é tempo de ao invés de tentar controlar, silenciar, banir de nossas vidas as experiências da loucura, buscarmos compreende-la realmente. Essa é utopia que vivo, esse é o horizonte que me faz caminhar!

 

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” – Eduardo Galeano.

Janisse Carvalho, psicóloga, ex colaboradora (que continua colaborando) e querida amiga deste jornalista.

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