Macapá, minha cidade – Lindo texto de Lulih Rojanski

Por Lulih Rojanski

Macapá era criança quando a vi pela primeira vez. Crescia como uma menina ribeirinha, na margem esquerda do canal norte do rio Amazonas, respirando os ventos cheirando a floresta, trazidos pelas marés. Tinha um jeito puro de quem não sabe o que virá, mas guardava na alma o recôndito desejo de um dia ser bela como aquelas que já cresceram, de ser amada pelos forasteiros que aqui aportaram, prometendo fazer dela uma senhora soberana.

Pela manhã, ela abria os olhos sob as luzes de um sol tropical, e janelas preguiçosas também se abriam, para olhar de frente o velho trapiche que aportava os sonhos dos poetas daquele tempo. Aquele mesmo tempo em que provincianas mangueiras eram o abrigo dos periquitos, e uma porção de meninos coloria com pipas o céu das margens do rio.

Macapá sabia que um dia tudo iria mudar. E sorria, se lhe dissessem que aí vinha o terceiro milênio. Por entre paisagens de nuvens azuis e de horizontes de fogo, esperava que as mãos de seus homens lhe dessem belas ruas, infindáveis jardins, casas de sonho, prédios e gente que tivesse como função cuidar do seu povo.

A cidade criança ficou no retrato… e nele, ainda roda a saia florida das acácias, um rio colossal coleciona ondas do mar, a fortaleza secular adormece os negros que a fizeram. Naquele tempo, e naquele retrato, a menina Macapá tinha um olhar de quem vai prosperar sob as boas chuvas do futuro.

Vieram dezembros, e muitas chuvas passaram. Ainda assim, neste tempo, foi árida a terra. Até as árvores quiseram fenecer. Nuvens de chumbo sobrevoaram durante anos inteiros as verdes mangueiras de onde os periquitos se foram. Os barquinhos no rio encalhavam sob o silêncio cósmico das noites sem lua.

Explorada pelos mesmos homens que a cortejaram, Macapá sorria tristemente para aqueles que ainda chegavam, trazendo homens que a amaram de verdade, e aqui plantaram raízes, mas esses foram poucos. Chegaram povos de outras terras, ergueram casas, abriram ruas, e a menina foi crescendo assim, meio desajeitada, como aquela menina dos versos do Bandeira, que é pisada, pisada, e nunca sai da cozinha. A grande viagem de descobrir-se um lugar importante, para o qual todos olhassem com olhos de ternura e admiração, caía por terra. Olhos distantes viam Macapá como a cidade longínqua de um povo que não sabia sonhar. Eram daqui as notícias ruins.

Não importava a ninguém de outras terras que aqui fosse a única capital brasileira banhada pelo rio maior do mundo ou que aqui houvessem florestas sem fim. Durante esta mocidade, Macapá assistiu atônita ao triste espetáculo que os homens que a subjugavam souberam oferecer. A ideia do novo milênio lhe trazia a angústia do fim do mundo, e foi um tempo em que nem mesmo o poeta conseguiu ler as entrelinhas. Hoje se sabe o que ali estava escrito para o destino da cidade que sonhava em ser feliz.

Agora… os jambeiros da General Rondon derramam flores nas calçadas, as mangueiras da Leopoldo Machado pingam mangas até março, raios de sol atravessam as paredes pétreas da secular Fortaleza, iluminando os fantasmas da história. Meninos amanhecem colorindo com pipas o céu amarelinho das margens do rio, em cujas águas ondulam brancos barquinhos… os mesmos meninos que lançam às águas morenas seus corpinhos de peixe, toda tarde. As andorinhas dos fios elétricos da Cândido Mendes vêm de volta em abril, fugindo dos frios do Sul do Brasil, e Macapá lhes oferecerá frondosas árvores. As mesmas árvores que dançam sob a inquieta música do vento, confiantes de que as chuvas lhe trarão flores. Nas suas ondas de mar, o rio leva tristezas, e traz sonhos renovados que ancoram no trapiche Eliezer Levy. Os olhos do poeta refletem paisagens transcendentais. Pelas estradas terrestres e aquáticas, há um povo que sabe que as nuvens de chumbo não mais aportarão sobre as mangueiras, que acredita que as chuvas agora serão de prosperidade, e a vida será mais feliz.

É assim que Macapá se apresenta ao terceiro milênio. Uma cidade sustentável, onde o homem tem a possibilidade de voltar ao sonho, onde o rio canta a primitiva melodia das águas para que dancem nas ondas as embarcações, onde o verde é o próprio futuro. Este é o retrato que Macapá quer guardar por mais um século.

(*) A autora é natural do Paraná, mas há 32 anos é habitante do Amapá e tem dado preciosas contribuições à literatura amapaense. Publicou os livros “Lugar da Chuva – Crônicas do Amapá” e “Abilash – Um Conto da Amazônia”“Pérolas ao Sol” ,   e Gatos Pingados, todos publicados pela Escrituras Editora. 

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