Maldição! – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

De dois em dois anos, ele levanta a tampa do caixão, olha em volta, conferindo o ambiente, com seus olhos vermelhos de tanta cobiça guardada em todo o tempo em que ficou hibernando no limbo. E sente que o momento é propício para sua saída.

Este tipo de vampiro, com sua fome de dois anos e ambição de cinco milênios, vem saciar sua necessidade de sangue fresco para manter sua vida de vampiro. Ele está, neste momento, junto com mais vampiros da mesma laia, em plena ação e toda pessoa acima de 16 anos está ao alcance de suas mãos sujas de lama, que ele consegue disfarçar muito bem, maquiando-as de modo a parecer as imaculadas mãos de um anjo.

Ele sai do caixão e confere seu visual no espelho, ainda que não se enxergue, já que é um vampiro e todo mundo sabe que essas criaturas das trevas não podem ter suas imagens refletidas por espelhos. Mas ele percebe que precisa mudar de visual para iludir o maior número possível de vítimas. Neste momento, a equipe de campanha se apresenta, liderada por um tipo tão asqueroso, mentiroso e arrogante quanto o próprio vampiro. Um sujeito torpe e vil que não sabe nada, mas é especialista em tudo, que passa a atender pelo nome nebuloso de marqueteiro.

Em pouco tempo, estão criados o slogan, a estratégia de campanha e o programa de atuação que o vampiro terá que empreender em defesa dos interesses de seus eleitores, na verdade, na defesa dos próprios interesses.

A marca está criada, estão feitas as fotos que serão disparadas nas redes sociais, os discursos estão escritos por especialistas na arte de dizer e não dizer coisa alguma, usando conceitos como qualidade de vida, mudança de paradigma, austeridade no trato da coisa pública e outras expressões que inundam as falas do nosso personagem.

E o vampiro aparece em todas as plataformas midiáticas, com seus caninos retraídos, retocados pelos photoshops do momento. Caninos que só voltarão a compor o sorriso maligno do vampiro após a apuração das urnas.

Caso seja eleito, o vampiro vai cumprir a liturgia do cargo: participar dos conchavos, mamatas e falcatruas próprios daquilo que ele compreende ser um mandato público. E vai exercer, com toda a sua fúria, o poder, agora oficial, que foi outorgado por seus eleitores, de destruir toda e qualquer esperança de melhoria para a parcela mais necessitada da população. Claro que com sua impunidade garantida pelo foro privilegiado.

Caso não seja eleito, não pense que estará livre dessa praga. Ele se recolherá à sua tumba para voltar daqui a dois anos e disputar nova eleição. Mas você sempre poderá encontrá-lo e, antes que ele faça a sua investida fatal, confronte-o com o voto na ponta do dedo e a estaca na palma da mão. É só cravá-la no peito do vampiro e se livrar dessa terrível maldição.

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