Maldito escritor – Conto de Ronaldo Rodrigues

Conto de Ronaldo Rodrigues

Sou um escritor maldito. Estou aqui na minha mesa, diante de uma máquina de escrever. Sim, ainda uso máquina de escrever. Recuso computador. Já disse que sou um escritor maldito. Quando aperto a tecla de um computador, não recebo a carga de volta aos meus dedos. Acho isso essencial para o ato de escrever.

Só escrevo bebendo e fumando. A bebida, de preferência, barata e certeira na embriaguez, aquela que vai direto ao ponto e deixa logo o cérebro a poucos passos de um nocaute. O cigarro é de tabaco e pode ser o mais vagabundo.

Provavelmente você não vai ler um dos meus escritos nem saber que existo. A cada vez que escrevo um conto, releio mil vezes para saber que não está bom e o lugar mais digno para ele é a lata de lixo. É lá que meus escritos vão parar, invariavelmente.

Não tenho intenção de lançar livros. Na certa, você jamais verá meu nome na capa de um livro, muito menos nos cadernos de jornais especializados em literatura. Não vou ficar rico nem famoso escrevendo, não vou ter nem casa nem carro. O máximo que poderei conseguir com este ofício será uma úlcera ou uma cirrose, algo assim. Gostaria muito de morrer de tuberculose, mas parece que isso anda meio fora de moda e creio que escritores já não morrem disso.

Meu nome não vai constar em nenhum catálogo de escritores, nem será tese de trabalhos universitários. Acho mesmo que jamais conseguirei reunir mais de cinco contos, já que ou não termino os que começo ou acho que não estão à altura de serem publicados. Por isso rasgo, queimo, jogo fora e tal.

Agora você deve estar se perguntando, se chegou até este ponto da leitura, por que diabos então eu escrevo? Taí uma coisa que eu não saberia dizer. Ainda bem que nunca fui a um programa de entrevistas. Essa pergunta nunca foi feita e eu me sentiria embaraçado em ter que respondê-la. Talvez eu esteja pedindo socorro, talvez eu queira participar dessa festa chamada vida de forma mais atuante, por assim dizer. Talvez para eu me sentir poderoso, já que posso dispor de personagens e acontecimentos ao meu bel-prazer. Posso me sentir Deus, criando os personagens, matando-os, fazendo-os sofrer ou deixando-os alçar voos ou recebendo o tiro de misericórdia para dar fim às suas miseráveis existências.

Escrever é uma necessidade que se impõe. Isso acontece sempre e, se a vontade de escrever não chegar naturalmente, vou ao seu encontro para satisfazer a vontade e me satisfazer à vontade. Percorro os desertos e as latrinas procurando. Procuro nos castelos e nas pocilgas e no corredor da morte. Sei que os antros estão impregnados de histórias, como se fossem jardins. A gente só precisa ter um olhar mais aguçado e ir lá e colher as histórias. Mas nem sempre é assim. Também é preciso cavar, escalar montanhas, descer aos infernos para se ter um pouco dessa literatura, que pode ser o fim de toda a vida, mas pode também ser a redenção.

Chega de papo. Dou um trago no cigarro e outro no copo. Vou agora passar para o papel tudo aquilo que está guardado aqui, no coração, na cabeça, na medula, no sexo. E talvez um dia, mesmo passados cinquentas anos após a minha morte, alguém poderá encontrar algum escrito meu que ficou perdido por aí e esse alguém possa ter uma vaga ideia de que existiu um escritor que chamou a si mesmo de maldito e esse escritor fui, sou eu. E tenho dito.

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