Nem morto! – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Fui ao médico e ele me disse uma coisa que me deixou muito chocado:

– Seu Ronaldo, sinto informar que o senhor não está mais entre nós.

– Hein? Como assim?

– Estou dizendo que o senhor está morto.

Me apalpei, me olhei, me examinei e nada indicava que eu estivesse morto:

– Doutor, o senhor disse: morto?

– Sim. Mortinho da silva, como se falava antigamente.

E o médico foi logo me apresentando um documento que acabara de assinar:

– Aqui está o seu atestado de óbito.

– Ei, o senhor está falando sério mesmo?

– Nunca falei tão sério!

Saí do consultório sem entender nada, mas eu não sou um exemplo de alguém que entende muito bem as coisas que acontecem. Devia ser a minha já conhecida distração. Me distraí e nem percebi que estava morto.

Já passei antes pela sensação de estar morto, mas aquela confirmação me deixou perplexo. E agora? O que fazer da minha morte, eu que nunca soube o que fazer da minha vida? Devia ser por esse motivo, o fato de eu estar morto, que as pessoas passavam por mim sem demonstrar qualquer sinal de me avistar. Atribuí ao costume atual de ninguém mais prestar atenção em ninguém, todos abduzidos pelos aplicativos dos celulares.

Levei o atestado de óbito ao INSS para saber quais seriam os próximos procedimentos, mas ninguém percebeu a minha presença. Achei normal, já que nessas repartições públicas dificilmente os funcionários prestam atenção em que está vivo, imagine em quem já morreu. Eu, que precisava provar que estava morto, tinha uma senhora ao lado que, para receber certo benefício, precisava dar conta de uma papelada imensa para provar que estava viva.

Bom, eu precisava me tocar (até me toquei, mas não senti o meu toque) e assumir a minha morte. Assumi tão poucas coisas na vida que assumir a própria morte seria algo bem estranho. Aí a curiosidade me tomou (sim, as pessoas continuam curiosas após a morte) e olhei mais atentamente o atestado de óbito para saber a causa da minha morte. Descobri que não teve um motivo só, mas vários motivos. Morri de tédio, de solidão, de euforia, de farra, de melancolia, de bebida, de cigarro, de respirar, de ficar doente, de ficar são, de sair pela madrugada, de ficar horas em frente à TV, de submissão, de rebeldia, de ouvir música, de falar palavrão, de gritar, de pedir silêncio, de comer, de jejuar, de fazer sexo, de fazer abstinência… Enfim, morri de uma coisa chamada vida. Lembrei imediatamente do meu amigo Gino Flex, que teve a mesma causa mortis: excesso de vida. Portanto, obrigado à vida que me deu tantos motivos para vivê-la, às vezes muito afoito, às vezes com uma preguiça terrível; aqui tomando as rédeas da situação, ali deixando as coisas rolarem.

Agora vou me encontrar com o Gino, fazer um brinde e continuar pela morte com a mesma disposição com que enfrentamos a vida.

Adeus! E saúde!

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