Nostalgia Plástica – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Na volta de uma viagem perguntei ao meu neto de três anos se ele tinha sentido saudade. Ele disse que não sabia. Insisti: – Você sabe o que é saudade? Ele respondeu-me que era “uma coisa errada” e correu para me mostrar as novidades e as experiências que adquiriu nos dois dias de minha ausência, encerrando o assunto.

Minha pergunta estava eivada de preocupação, após mergulhar num sentimento raramente sentido: o da nostalgia, ocorrida no lugar para o qual viajei. Para algumas pessoas ela acontece como uma espécie de dor voluntária, causada pela vontade de estar no passado, vivendo uma vida prazerosa e feliz. A nostalgia é um tipo de dor do exílio, da vontade de voltar ao lugar de origem depois de um longo período obrigado a morar em terra estrangeira, e não se adaptar a ela, segundo rezam os dicionários. Para outras pessoas ela é mais dura. È uma melancolia que demonstra claramente um estado de tristeza e de languidez, por desgosto ou pesar, que pode evoluir para um processo mais sério em nível de afecção mental, inclusive com a perda do interesse pela vida, com tendência ao suicídio e delírio de auto-acusação.

Mas calma lá. A melancolia é uma coisa. È um estado mórbido que leva a situações inconseqüentes e irreparáveis como o suicídio. A nostalgia é a palavra que usamos para suavizar a melancolia. É como a saudade de algo ou alguém, de pessoas ou de coisas distantes. É uma “lembrança nostálgica”, que ocorre de forma leve e suave, mas que carrega seguramente um inevitável desejo de tornar a vê-las, pegá-las, possuí-las.

Humberto Moreira

Por essa situação passamos todos nós. Eventualmente enxergamos pessoas que não vemos há muito tempo e quando elas passam, ao longe, sem saberem que estamos ali, em certo lugar, temos vontade de falar com elas. Entretanto somos impedidos por algum obstáculo, por alguma barreira física. Só nos resta, então, lamentar que nunca mais as veremos. Fica um buraco no coração, uma sensação de vazio, de frustração. A nostalgia é plástica a meu ver. Eu dou a ela a expressão que quero: formas e cores, linha e volume.

Não quero aqui entrar na questão dos acontecimentos pessoais que levam as pessoas ao suicídio, assunto de patologia social de alta morbidade em nosso Estado, considerando as estatísticas bolerianas amplamente divulgadas nos jornais de Macapá. Quero, sim, dizer o quanto essa questão pode balançar a vida e os conceitos sobre o mundo e as pessoas.

Devo contar que o radialista Humberto Moreira certa vez foi visitar um amigo no Rio. Caminhando pela Avenida Rio Branco ele percebeu que era seguido por um sujeito corpulento de camisa “tremendão”. Pens

ou: “Tô assaltado”. Mas conseguiu driblar o marmanjo. Olhou para os lados e seguiu adiante. Quando estava chegando a seu destino sentiu o toque nas costas e se preparou para entregar a carteira. De repente ouviu do suposto assaltante: “Tu num é o Humberto Moreira da Bola é Nossa?” Humberto sentou pálido, embaixo da marquise do edifício da White Martins e se comoveu com a chorosa história do rapaz, que era de Santana, seu fã, que o conhecia da televisão. Estava há mais de um ano sem ver uma cara conhecida no Rio de janeiro.

Creio que meu neto está certo, pois as crianças são certeiras. A saudade é mesmo uma coisa errada. Mas a nostalgia, essa sim, é plástica.

*Texto de 2017, republicado. 

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