Nota de esclarecimento – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Vasculhando páginas e páginas de livros e esmiuçando vários documentos históricos, acabamos de descobrir que a moda de emitir notas de esclarecimento já existia muito antes dessa sucessão de escândalos envolvendo personalidades da política nacional. Nossa equipe de reportagem investigativa se debruçou sobre tais livros e documentos e pinçou várias notas de esclarecimento de envolvidos em crimes ao longo da História. Vamos lá:

Caim

“Nunca tive qualquer problema com meu irmão. Inclusive, era eu quem o defendia dos castigos do papai e da mamãe. Pelo contrário, eu protegia meu irmãozinho, coitado, que sempre foi mais fraquinho. Achava muito legal que Deus gostasse mais dele do que de mim e jamais manifestei qualquer sinal de inveja. Portanto, a acusação de que matei Abel é totalmente infundada, um verdadeiro absurdo.”

Nero

“Essa história de que toquei fogo em Roma não corresponde à verdade dos fatos. Sempre tive por esta cidade um apreço enorme. Jamais me passou pela cabeça privilegiada ideia tão absurda. Além de ser comandante do maior império do mundo, eu sou também um artista e destruir uma obra de arte como a cidade de Roma seria um atentado à estética. E eu não correria o risco de ficar queimado nos livros de História.”

Pilatos

“Eu até simpatizava com aquele cabeludo. Não tinha nada contra ele e, apesar de ter poder para libertá-lo, deixei a decisão nas mãos da população. O povo é que tem que ser responsabilizado pela crucificação. Quanto a isso, lavo minhas mãos outra vez.”

Hitler

“Holocausto? Perseguição aos judeus? Extermínio? Genocídio? Só agora tomei conhecimento dessas palavras. Nunca soube que essas coisas eram atribuídas à minha pessoa. Isso é inveja daqueles que não têm a mesma liderança que eu, que não têm carisma. Portanto, me declaro totalmente inocente de tais acusações. Ordeno que seja arquivado o inquérito e quem não acatar essa ordem vai pra câmara de gás!”

Stalin

“As acusações são descabidas. Quero ver quem pode provar que eu autorizei a morte de inimigos e dissidentes, que mandei para a gelada Sibéria aqueles que não concordavam com as minhas decisões, que fui um dos maiores assassinos da História. Quero provas! Ah, os livros de História? Todos forjados, não são confiáveis e não servem como provas. Tenho dito!”

E por aí vai. Se colocarmos tudo o que foi detectado, esta crônica não termina. São desculpas e evasivas e subterfúgios falados de forma categórica, com convicção. São declarações como “Jamais estive com essa pessoa!”, “Nunca tratei com essa pessoa qualquer assunto pessoal ou profissional!”, “Não autorizei ninguém a falar em meu nome” etc. Fora as notas emitidas para ganhar tempo, tipo: “Só nos pronunciaremos depois de intimação formal”, “Só nos pronunciaremos depois de tomar conhecimento do teor das acusações”, “Nossa assessoria jurídica vai se inteirar dos fatos e tudo será esclarecido no seu devido tempo”.

É, gente. Tudo leva a crer que só tem inocente na jogada. Mas, como sabemos que não é bem assim, esperamos ter contribuído para o esclarecimento dos nossos leitores. E que os fatos sejam realmente esclarecidos.

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