O AÇAÍ DO GROSSO – Por Fernando Canto

Crônica Fernando Canto

Depois que ganhou o status como o quinto produto de maior exportação do Estado, o açaí ficou mais caro e escasso por aqui.

Não é para menos que um conhecido bloco carnavalesco do bairro do Laguinho vem trazendo como enredo a conhecida e desejada delícia regional, em um protesto interessante e engraçado, através de uma marchinha de tirar o fôlego, bem característico do tradicional bloco.

Fruto da Euterpe Oleracea, o açaí = yasa’i em tupi, é “a fruta que chora”, e produz um refresco de coloração arroxeada. É louvado por artistas e poetas em pinturas e músicas regionais de grande sucesso, como o “sabor Açaí” de Joãozinho Gomes e Nilson Chaves. Mas também é tão apreciado pela população que conhecemos pessoas completamente dependentes dele na sua alimentação diária. O Carlitão e o Álvaro, da Banda Placa, como tantos outros, fazem estoque do produto em seus freezers. Na entressafra correm atrás do fruto ainda verde, chamado “açaí parau”. Esgotada essa demanda inicia-se outra, a do sorvete que também é estocado e dura bastante, mas rigidamente controlado em seu consumo, até a chegada da próxima safra. Há pessoas que sofrem quando n

ão tem açaí. Uns chegam a ficar doentes e, doentes mesmo, por excesso de ferro e ausência de outros minerais e proteínas no organismo, continuam com a velha mistura do açaí com camarão, com peixe ou com charque assado.

O saudoso bandolinista mazaganense Amilar Brenha, já velho, com diabetes e pressão alta, mesmo proibido pelo médico de ingerir açaí com o acompanhamento tradicional do camarão, não hesitava em pedir o alimento e ser atendido pelos que tinham pena dele. Dizia que depois da música era o seu maior prazer.

Lembro que há muitos anos, na falta brava do açaí, que era considerado alimento de pobre, alguém estabeleceu “democraticamente” que só se poderia vender um litro por pessoa. Então famílias inteiras levavam suas panelas, chaleiras, caçarolas e garrafas de água para a fila do balcão das amassadeiras. Eram famosas a do seu Ramiro, a do seu Arinho, no Laguinho e a do seu Ituaçu (nome duas vezes grande), na Rua São José.

Por gostar tanto desse vinho, o amapaense produziu inúmeras anedotas sobre ele, de forma satírica e até mesmo cruel. A dúvida do Mundoca, por exemplo, quando disse que não sabia se tomava uma garrafa de cachaça ou um litro de açaí com os cinco reais que tinha em certa tarde de domingo; a irrefletida pergunta do pai que recebera a notícia do atropelamento do filho em frente à batedeira: – E aí, o açaí derramou? E a história da bela namorada de um amigo meu que foi convidada para a ceia familiar do natal. Ela pegou um prato e se serviu de todas as iguarias da época e, para o espanto de todos, após misturar o peru com a lentilha, o filé, o pato no tucupi com maniçoba, vatapá, pimenta e salada, abriu um buraquinho no meio do prato, retirou elegantemente um frasquinho da bolsa e despejou o conteúdo, o açaí, bem no meio da comida para então começar a “remar” com a colher. Assustado com aqueles gestos inusitados para ele, meu amigo acabou terminando o namoro.

Todos nós desenvolvemos certos hábitos culturais que se refletem no nosso comportamento diário, mas é com a alimentação que deixamos ver o quanto somos diferentes uns dos outros. No caso do açaí, o hábito de tomá-lo se confunde: Ora é complemento alimentar usado como vitamínico e energético ora é o próprio alimento que se complementa com o peixe, o charque (jabá), o camarão, etc.

Por isso mesmo o bloco do Laguinho inventou até um personagem para lutar contra a falta do produto regional: um tal de Capitão Roxão, um super-herói, cuja missão é evitar que os estrangeiros levem o nosso açaí e deixem só a “chula” (borra) para os laguinenses. O enredo é uma peça humorística onde os açaílatras (dependentes do açaí) têm a esperança do produto não faltar em suas mesas, mesmo com o preço “pela hora da morte”.

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