O Amapá no embalo de Patrícia Bastos

Carlos Albuquerque – O Globo

Ingredientes pouco conhecidos do caldeirão musical brasileiro, o marabaixo e o cacicó dão um sabor inusitado ao disco “Zulusa”, de Patrícia Bastos. Cantora de timbre suave e raízes fortes, ela usa esses e outros ritmos do norte do país para traçar um delicado roteiro de 14 faixas que viaja entre o Amapá, onde nasceu, e São Paulo, onde encontrou ressonância para seu trabalho, num mix entre tradição e modernidade, acústico e eletrônico, floresta e cidade.

Com direção artística e produção de Dante Ozzetti (irmão da cantora paulistana Ná Ozzetti), “Zulusa” é o quinto disco de Patrícia, depois de “Eu sou cabocla”, de 2009. Tem letras de Vitor Ramil (no fado “Miss tempestade”) e Guinga e Paulo César Pinheiro (“Ribeirinho”, composta em 1980 e só agora gravada), tem guitarras de Felipe Cordeiro e percussões do grupo Raízes do Bolão, e tem zulus e lusitanos casados no jogo de palavras do título.

— Resolvi cantar o som da minha tribo, que tem raízes africanas e portuguesas — conta Patrícia. — A cultura musical do Amapá é muito particular, relativamente nova e pouco conhecida fora do estado, sendo muitas vezes confundida com a cultura do Pará. Por isso, ela parece aberta a fusões que ajudem a moldar a sua identidade.

Patrícia e o produtor se conheceram em 2009, quando ele participou do evento “Amapá em cantos”, em São Paulo. A partir desse contato, uma relação simbiótica se formou, com ela se alongando em direção ao Sul e ele — compositor, arranjador e violonista — enriquecendo o seu vocabulário pelo contato com uma cultura que aprendeu a admirar.

— O Amapá sofreu grande influência da cultura negra. Isso misturado às tradições indígenas ajuda a criar um cenário bastante rico e particular — afirma Dante. — O marabaixo, por exemplo, é um ritmo típico dos quilombolas locais.

Após um esboço de parceria em “Eu sou cabocla”, os dois traçaram planos para uma viagem mais longa, que unisse esses dois pontos de origem. Durante um ano, “Zulusa” foi planejado e concebido, nessa ponte aérea. O produtor chamou também um terceiro tripulante, Du Moreira, que se tornou seu parceiro no estúdio, assinando também a rota do disco.

— O Du surgiu como músico, também atuando nas programações eletrônicas. No fim, se tornou um coprodutor valioso — conta Patrícia.

Entre os letristas, a riqueza de detalhes descrita por Guinga e Paulo César Pinheiro impressionou a cantora.

— Quando vi a letra, fiquei encantada, já que parece que eles vieram navegar na Amazônia, embora estivessem a quilômetros de distância quando a criaram. Ela se encaixou perfeitamente no conceito do disco.

Encaixe preciso também aconteceu entre as percussões do Trio Manari (de Belém), em faixas como “Canoa voadeira” e “Rodopiado”, e a discreta tapeçaria eletrônica criada por Moreira.

— O Trio tocou de forma brilhante — conta Dante. — O que fizemos depois foi acrescentar detalhes eletrônicos que ajudassem na sustentação da percussão.

Nos shows de divulgação do disco, Patrícia e Du vão se multiplicar no palco, com Dante, o Trio Manari e outros convidados aparecendo em uma ou outra apresentação (no Rio, ainda não há data acertada).

— Acredito que os shows vão dar um novo colorido ao disco e levar esse projeto adiante — diz Patrícia. — Acho que esse é o caminho, usar o regional para se tornar universal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *