O CÍRCULO – Crônica de Fernando Canto – @fernando__canto

Foto: Floriano Lima.

Crônica de Fernando Canto

Um jovem amigo apresentou-me à sua namorada como se eu fosse o expoente de alguma coisa. Antes, porém, que a conversa continuasse fiz um trocadilho que soou a mim mesmo como uma reflexão para a vida. Disse-lhe então que agora eu era um “ex-poente”, que buscava a alvorada, o nascente, a direção do sol que muitas vezes ignorei, não lhe dando o verdadeiro valor.

Todos nós, quando paramos para pensar melhor, cremos ser verdade que determinado evento pessoal tem o significado do encerramento de um ciclo. E um ciclo não é apenas um período onde ocorrem fatos importantes ou uma série de fenômenos que se sucedem em ordem, como as estações. Um ciclo também é um círculo, ressalvadas as diferentes origens das palavras. Como tal ele tem um simbolismo amplo, algo maior do que aquilo que pensamos ao começarmos a tomar novas atitudes.

O círculo, segundo Champeaux e Sterckx, é um ponto estendido; participa da perfeição do ponto. Os dois possuem propriedades simbólicas comuns: perfeição, homogeneidade, ausência de distinção ou de divisão. O círculo é considerado em sua totalidade indivisa. O movimento circular é perfeito, imutável, sem começo nem fim, e nem variações, o que o habilita a simbolizar o tempo.

Mas há muitas formas de interpretar o círculo: o próprio céu torna-se símbolo, o símbolo do mundo espiritual, invisível e transcendente. Simboliza o céu cósmico nas suas relações com a terra. Para os autores acima citados “o círculo pode simbolizar a divindade considerada não apenas em sua imutabilidade, mas também em sua bondade difundida como origem, substância e consumação de todas as coisas; a tradição cristã dirá: como alfa e ômega”.

Desde a Antiguidade ele tem servido para mostrar a totalidade, a perfeição, englobando o tempo para melhor poder medi-lo. Na Babilônia ele foi dividido em 360º e decomposto em seis segmentos de 60º. Seu nome – shar – designava o universo, o cosmo. Mais tarde dele foi retirada a noção do tempo infinito, cíclico, universal, que foi transmitida através da serpente que morde a própria cauda.

A essa conotação, a serpente Uróboro simboliza um ciclo de evolução encerrado nela mesma. Traz concomitantemente idéias de movimento, de continuidade, de autofecundação e, de eterno retorno.

Mas a serpente não é o círculo, aquele que transcende. Ela, ao morder a própria cauda está condenada a girar sobre si mesma, como a roda. Jamais poderá escapar do seu ciclo para se elevar a um nível superior. Agora, na ânsia de mudar, de começar um novo ciclo, de ir em busca do sol que nasce, me deparo com paradoxos porque as coisas estão escondidas nos raios celestes e no círculo do céu. E coisas não permanecem as mesmas. Como nós elas não são duradouras e estão sempre se tornando outras coisas, outras entidades. Bem disse Heráclito: não podemos entrar duas vezes no mesmo rio.

E como é grande a correnteza dessas águas. Ela guia e move meu caminho ao mar. Mas apesar de tudo esta viagem reflexiva me obriga a perambular pelo albedo da terra em direção ao oriente. Recuso-me ao crepúsculo: sinto-me mudança, conflito e renovação. A cada sete anos revigoro-me na ablução pelo fogo e regenero-me em chips astrais. Sou carbono, gases, água e sonho que não evanesce.

Foto: Márcia do Carmo.

Sim, recuso-me ao crepúsculo, recuso-me ao poente. Rebelo-me contra meus genes e insurjo-me à natureza, pois busco o círculo onde está centrada a árvore da vida. E cá estou: no mais profundo mar. Sem culpas. Mudando como o sol na manhã de um equinócio da primavera.

Fernando Canto

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