O dia em que consertei a bagunça – Crônica porreta de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Muito bem! Posso dar por encerrado o trabalho e descansar eternamente. Afinal, eu mereço. Criar o mundo, com tudo o que tem nele, cada detalhe, foi uma tarefa muito difícil. Não fosse eu o Todo-Poderoso creio que jamais teria conseguido sem consumir pelo menos uns cinco séculos. Levei apenas seis dias e vou já inventar o sétimo dia, o do meu divino descanso. A natureza e todas as suas criaturas estão aí, prontas para dar início a uma história de perfeita sincronização entre tempo e espaço, o equilíbrio exato entre rios, florestas, animais, o ar mais puro que fui capaz de criar, a movimentação do universo, a sequência perfeita das estações do ano… Creio que nada mais falta no meu paraíso.

Mas espera um pouco. Que tal eu dar um toque final? Criar um ser que possa compreender, fiscalizar e preservar a minha obra, livrá-la de todo o mal que, apesar do meu cuidado em criar o mundo, possa ter me escapado. Isso mesmo! Bem pensado! Vou criar esse ser, também um animal, que seja superior em inteligência aos outros animais. Será um tipo de gerente deste mundo, que foi criado com tanto zelo e carinho. Vou chamar este ser de homem e, como sei que ele não se contentará em ser o único de sua espécie, criarei sua companheira, a mulher. Era só o que faltava, ainda bem que lembrei.

Criei os dois, vi que tudo estava bem e parti para meu justo descanso. Mas esse descanso não durou quase nada. Foi só o tempo de os dois seres mais inteligentes começarem a fazer das suas. Primeiro, comeram do fruto do qual tanto alertei para que mantivessem distância. Foi a primeira desobediência que cometeram e isso foi só o começo de uma sequência de erros que continua até hoje. Resultado: o paraíso que criei virou um inferno. O ar puro que existia está misturado a gases poluentes, as florestas estão queimando, os animais morrendo e os rios secando. Os seres que acreditei serem os mais inteligentes se revelaram mesquinhos, egoístas e os mais ignorantes, pois são os únicos que põem em risco sua própria existência e a do planeta inteiro.

Falha minha. Por que não deixei do jeito que estava? Por que tive a ideia, no último momento, de criar mais essa espécie? A que eu acreditei que iria conviver com as outras espécies na maior calma e com todo o respeito. Aí eu poderia ficar tranquilo no meu descanso. Mas isso não ficará assim, pois já tenho a solução!

Pronto! Voltei àquele sexto dia da criação e poderia, simplesmente, riscar esse item da minha lista, deletar a existência dos seres humanos. Mas não serei cruel, como muitos deles se mostraram no decorrer da história. Vou apagar sua faculdade de pensar e eles ficarão observando os outros animais, como muitos desses animais são mais emotivos, mais íntegros e muito mais racionais do que os seres humanos. Agora, eles serão estagiários, observadores das outras existências, para que possam, em algum momento, ganhar elevação, grandeza, bondade. Só assim haverá uma esperança de que a vida na terra tenha equilíbrio e que se faça a luz!

Agora, sim! Vou tranquilo para o meu descanso.

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