O FANTASMA – Conto de Mauro Guilherme

Conto de Mauro Guilherme

É meia-noite, mas fantasma não existe. O meu carro deu prego em frente ao cemitério, mas fantasma não existe. O motor morreu o que pelas circunstâncias daria um trocadilho. Vejo o portão do cemitério se abrir e um homem, não um fantasma, caminhar na minha direção. O homem vem capengando – todo coveiro é coxo. É um homem baixo, magro, que veste um gibão e usa uma bengala.

Ele pergunta seu eu quero ajuda, eu lhe pergunto se é mecânico. Ele responde que não, que é coveiro, mas diz que todo mundo entende um pouco de carro. Eu lhe digo que não entendo nada. Ele dá uma olhada no motor e diz que a bateria morreu. Não gostei nada do “morreu” dele. Parece que foi dito de propósito. Ele volta ao cemitério: foi buscar uma bateria lá dentro para dar uma carga.

Depois de quinze minutos, nada. Fui atrás dele porque fantasma não existe. Vejo um homem vindo em minha direção. Este não manca. Eu lhe digo que vim atrás do coveiro, que ficou de trazer uma bateria para dar carga na do meu carro, mas não voltou. O homem responde que nem poderia voltar porque o único coveiro ali era ele. Eu lhe digo que não pode ser e lhe dou as características do coveiro: um homem baixo, magro, vestindo um gibão, que mancava e usava uma bengala. Ele me diz esse era o coveiro antigo, mas que já morrera há dez anos.

O coveiro vai embora, e eu fico só. A lua cheia toma o céu, enfeitando a noite, mas a escuridão parece piorar. Uma sombra passa sobre mim, desaparecendo no ar. É meia-noite ainda no meu relógio, que deve ter parado. De repente, ouço um uivo. Vejo alguém passar correndo em direção a outra rua, uma mulher de branco, muito pálida, vinda não sei de onde, entra no cemitério, um homem alto, roupa rasgada, coberta de areia, vai caminhando por ali.

Peço um Uber e vou para casa. Amanhã de manhã levarei um mecânico para ajeitar o meu carro. Entro em minha residência e tranco bem a porta. Ouço um cachorro – e não um lobo- uivar, porque fantasma não existe. Começa a chover e trovejar, há um tropel de cavalos, uma porta range, gritos vêm da rua, ouço um assobio, a luzes apagam, há alguma coisa estranha no banheiro e ela pula sobre mim. A nossa luta é encarniçada, e saímos rolando pelo chão…

As luzes voltam. Eu me vejo sozinho no assoalho com a camisa toda rasgada. Chamo a polícia, que chega rapidamente. Eles entram na casa e procuram por todos os cômodos, mas não encontram ninguém. Avisam outras viaturas sobre o fato criminoso. Pedem que amanhã eu vá na delegacia fazer o boletim de ocorrência. Quando eles saem, tranco novamente bem a porta, porque fantasma não existe.

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