O folclore por mar abaixo – Por Hélio Pennafort

Foto: Max Renê

Por Hélio Pennafort

O outrora imponente Marabaixo está reduzido a exatamente o que você está vendo na foto. A sobrevivência daquilo que já foi a mais importante manifestação folclórica do Amapá e hoje cuidada por dois pequenos grupos, o do Laguinho e o do Curiaú. Teimosamente, eles garantem vida a uma tradição que começou a existir com a própria Macapá. Quando o Marabaixo foi tocado durante uma conversa do repórter com a folclorista Maria Brígido, ela procurou justificar o desaparecimento paulatino, tanto do Marabaixo quanto de outras festas folclóricas, com o ajuste dos grupos de folks à evolução da comunidade, ao progresso da região.

Foto: Chico Terra

Os pais, os ancestrais – disse -, eram promotores de grandes Marabaixos, festas caseiras na base do pau-e-corda, faziam pastorinhas, participavam de batuques. Os filhos, porém, começaram a não mais prestar atenção aos volteios e as cantigas dos velhos desde quando ouviram, pela primeira vez, o som de um tocadisco substituir a plangência da viola. Disso se queixa Osmundo Barreto, o vibrante maestro do conjunto Mucajá, de Mazagão Velho. “hoje em dia a juventude não quer mais dançar com a música do meu clarinete”. Do mesmo modo os tambores do Francisco e o querequexé do Joaquim também ficam meses sem batucar noite a dentro, nem tampouco mexer com o assoalho de ninguém. Com o descaso dos legítimos herdeiros, começam a aparecer estilistas pensando em transferir a herança folclórica para grupos de jovens que adoram uma curtição diferente. É difícil acertar.

Foto: Fábio Gomes

Os fatos folclóricos só são autênticos quando feitos pelo povo. Quando os seus folguedos, os seus culons, enfim, sua vida, todo o equipamento mental desse povo é considerado folclórico. A interferência erudita desvirtua e dó serve mesmo para aguçar protestos interiores, como o do artista plástico Olivar Cunha, que pintou o “Marabaixo das loiras”. Esse negócio de palpite em folclore é papo furado. Não adianta modificar o tipo de roupa, a colocação do chapéu, o tom da viola. Tudo pode ficar até mesmo mais vistoso. Culturalmente, no entanto, fica mais leve. Só serve para turista e olhe lá.

Foto: blog Amapá, minha terra amada.

Que fazer então para preservar o folclore? Existem segundo Maria Brígido, dois caminhos. Um seria, por exemplo, como a atitude de um médico para um cardíaco: dar paliativos, ajudá-lo mesmo financeiramente – mas sem mexer na bagagem cultural -, para que ele aumente mais um pouco a sua vida, até um certo tempo, quando os mais antigos desaparecem e os jovens não quiseram mais fazer o mesmo, porque estão integrados ao novo estágio da comunidade. Outro – imediatamente – seria procurar uma turma que tenha conhecimentos folclóricos. Esse registro pode ser feito através de filmes, fitas e fotos. Também são necessários depoimentos de como vive aquele grupo economicamente e como se comporta socialmente. Como não se pode eternizar os fatos folclóricos, que pelo menos procure-se guardá-los, seja em celulose ou em fita magnética.

Dança do Coatá – Fotos: Elza Lima

Com a facilidade eletrônica de hoje, isso não é difícil. Basta ter disposição e elementos. O que não foi possível fazer com a dança do Coatá, que há muitos anos deixou de alegrar as barrancas do Araguari e os furos do Bailique, graças a singeleza dos seus versos e beleza de seu ritmo. O que restou dela está guardado apenas na cabeça de embarcadiços como este homem que já ensinou a muitos a melhor maneira de se conviver com a natureza, isto é, transmitiu cultura. Pena que no seu tempo de jovem não havia gravador e nem tampouco interesse urbano por aquelas cantigas e aqueles caboclos que serviam de coarador para o espírito dos canoeiros do salgado.

O “turé”, em Oiapoque – Foto: MUSEU DO ÍNDIO

O “turé”, dos índios caripunas, também é outro que está tomando o mesmo caminho do Marabaixo. E é até humorístico a influencia que os índios receberam. Aconteceu porque a presença constante das missões religiosas minimizou tanto a figura do Pajé, que há pouco mais de um ano assisti uma exibição dessa dança no Oiapoque, já sem participação desse personagem fundamental, justamente a que dava as ordens. Fiz esta foto e nela vocês podem observar que de índio mesmo só restaram a penas. Minto a música ainda é original. Talvez porque seja bastante complicado e até humilhante para um maestro da civilização tentar mudar o som de um mísero cano de taboca. Se fosse fácil e oferecesse status, não tenham duvida de que tentariam.

*Publicado no jornal “A província do Pará” – caderno do Amapá – 28 de novembro de 1981.
**Contribuição de Fernando Canto.

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