O homem-bomba – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Acordo com o telefone tocando. É o meu amigo Ocrides, desesperado do outro lado da linha:

– Cara! Vem pra cá agora! Estou com um problema terrível!
– Calma! Já tô indo!

Vinte minutos depois, estou na casa do Ocrides, mais precisamente no quarto, onde ele se entrincheirou. Aí passamos a levar o papo a seguir:

– Diz lá: qual é o problema?
– Tás vendo esses explosivos aqui, em volta da minha cintura? Pois é, cara! Eu me transformei num homem-bomba!
– Como assim? Eu nunca ia desconfiar que tu eras…
– Homem-bomba?
– Que tu eras homem. Rá! Rá! Rá!
– Porra! Eu aqui com esse problemão e tu com essas gracinhas!
– Calma! Me diz: como foi que isso aconteceu?
– Eu estava aqui em casa sem ter o que fazer, fuçando na internet. Aí eu vi um anúncio do Estado Islâmico procurando pessoas interessadas em se incorporar ao grupo. Me inscrevi e fui aceito. Passei por um curso digital e depois recebi, aqui em casa, esse colete cheio de explosivos. O cara que trouxe o colete, todo encapuzado e com jeito de paranoico, me ajudou a colocar o colete. E agora estou aqui, de homem-bomba!
– E qual é o problema? Não era isso que tu querias? Eles te obrigaram a entrar no site deles? Tu sempre foste meio maluco!
– Acontece que eu desisti! Era só empolgação de momento e falta do que fazer! Eu não quero mais ser homem-bomba! Entendeu? Não quero! NÃO QUERO! NÃÃÃOOO QUEEEEEEEROOOO!!!
– Tudo bem, Ocrides, mas larga o meu colarinho! Calma que a gente vai descolar uma saída!
– Não estou vendo saída!
– Tira os explosivos e devolve pros caras, meu!
– Ah, se fosse fácil assim… Depois de colocado, o colete não sai mais! Só com a explosão! É a forma que os caras arranjaram para que ninguém desista da missão!
– Então tá resolvido! É só deixar quieto e não detonar os explosivos!
– Aí é que tá! Não sou eu que controlo isso! O detonador é acionado quando alguém fala alguma besteira muito grande perto de mim! Ou um absurdo, um descalabro, uma coisa estapafúrdia, entendeu? É por isso que eu tô trancado aqui em casa! Não quero falar com alguém e correr o risco de esse alguém falar alguma merda! Parei até de ver televisão ou acessar internet! É muito perigoso, com tanta merda que se fala nas redes sociais! Tu sabaaaabes…
– Se sei! Eu até faço parte disso, eu acho…
– Se eu assistir ao Big Brother, por exemplo, é BUUUMMM! na certa. Telejornal também não posso ver. Já pensou se aparece o Bolsonaro, o Marco Feliciano, o Silas Malafaia falando aquelas coisas que eles falam? Lá vou eu pelos ares! E se aparecer o Donald Trump, então?
– Pato Donald?
– Que Pato Donald o quê? Donald Trump, aquele pré-candidato a presidente dos Estados Unidos que só fala shit?
– Shit?
– Ah, cacete! Mas tu não sacas nada! Shit é merda em inglês! O detonador está programado pra ser acionado por besteiras faladas em qualquer idioma!
– Mas tu podes entrar no Facebook. Lá a coisa é lida e tu não precisas ler em voz alta.
– É, mas tem aqueles vídeos que aparecem lá e começam a rodar sem que se dê o play. O pessoal bosta, quer dizer, posta muita merda! E olha que os erros de português nem são levados em consideração pelo detonador, senão…
– Tá difícil!
– Pois é! Eu não consigo mais ficar aqui enclausurado! Estou isolado de tudo e de todos! Preciso interagir com alguém, mas com quem? Com quem? COM QUEEEEMMM?
– Te acalma! Tu podes frequentar os meios mais… intelectualizados, sei lá. Por exemplo, os literatos…
– AAAAAIIIIII!!!
– Os universitários…
– AAAAAIIIIII!!!
– Acadêmicos de jornalismo…
– AAAAAIIIIII!!!
– Que tal os publicitários, aqueles gênios do marketing?
– Já vi que tô lascado!
– Já sei! Tem um pessoal esquisitão aí que se reúne lá na beira-rio. Eles fumam um cigarrinho diferente e ficam contemplando o rio Amazonas. Depois, quando chega a noite, eles ficam olhando a lua e tal.
– E não falam nada?
– Não. O máximo que fazem é uivar pra lua.
– Parece interessante! O que eu não posso mais é ficar aqui trancado! Preciso ver gente! Gente, entendeu? GEEEEEEENTEEE!!!

Cá estamos nós à beira do rio com mais cinco pessoas. Fomos apresentados e só os nomes das pessoas foram falados, o que não implicou em perigo de o detonador ser acionado. O cigarrinho rolou, o tempo passou e ninguém falou nada, alguns uivaram pra lua, e nos despedimos.

Fomos caminhando calmamente, o Ocrides bem mais tranquilo.

– Pronto, Ocrides! Acho que já desestressaste! Agora, tu vais voltar pra tua casa, em segurança. Amanhã, a gente sai de novo e eu vou te levar a outro grupo, o do pessoal que se comunica por Libras. Como tu não entendes Libras, tanto faz se falarem alguma merda, né?
– Bem pensado. Obrigado, cara! Eu sabia que tu podias me ajudar!

Foi quando uma das meninas do grupo de adoradores do rio Amazonas se juntou a nós e começou a conversar. A cada vez que ela falava, o Ocrides se contorcia todo e colocava as mãos nos ouvidos. Como a menina falava coisas bem interessantes, o Ocrides relaxou e finalmente conseguiu conversar com alguém. No final do papo, ela perguntou:

– E tu trabalhas com o quê?
– Sou humorista!
– Puxa, que massa! Eu sou louca pra ser humorista! O meu sonho é trabalhar com humor e ficar rica, muito rica!

Aí, o Ocrides se contorceu e tapou os ouvidos. Eu também fiz o mesmo e vocês já sabem o que aconteceu…

BUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMM!!!!!!!!!

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