O MENDIGO E O ARCO-ÍRIS – Crônica de Wagner Gomes

Por Wagner Gomes

Manhã de carnaval, antiga Praia do Aturiá, Bar remanescente da sua Orla, sem denominação. Forte tempestade. O barulho dos trovões. A faísca dos raios. O aguaceiro é geral. As ondas do mar com toda sua fúria provocam medo. Inundam o recinto. Encontro-me só. Os amigos não apareceram. Como na música de Paulo Diniz: “pensaram que eu tivesse falido”… Peço o meu segundo uísque. Aproxima-se um cidadão maltrapilho, um mendigo. Pede para sentar. Digo que sim. Puxa conversa. A tempestade vai embora e surge um lindo arco-íris. Então, passo a contemplar a beleza dessa manifestação da natureza.

– É o símbolo que o criador escolheu para sua aliança com os homens: disse o mendigo, fitando o arco-íris. Acrescentando: está na Bíblia, no Gênesis: “E Deus disse: “Eis o sinal da aliança que Eu faço convosco e com todos os seres vivos que vos cercam, por todas as gerações futuras”. Ponho o meu arco nas nuvens, para que ele seja o sinal da aliança entre Mim e a Terra. Quando eu tiver coberto o céu de nuvens por cima da terra, o meu arco aparecerá nas nuvens, e Me lembrarei da aliança que fiz convosco e com todo ser vivo de toda espécie” (Gn 9, 12-15). Então, ofereci ao companheiro mendigo uma dose de uísque para que pudéssemos brindar o surgimento da aliança divina.

– É um guerreiro que paira intangível na atmosfera para confirmar a sua vitória sobre a tempestade, finalizou, se referindo ao fenômeno tecido com as sete cores primitivas. Sem dizer o seu nome, se despediu, deixando em minhas mãos uma página de uma revista, toda enrolada, com o texto que a seguir compartilho com os senhores:

“Quanto tempo perdido, quanta dor afligida, quanta lágrima caída, quanto sonho sonhado, quanta vida passada, quanta infelicidade parida, quanta culpa por nada, nesta vil caminhada, serpenteada por companheiros que apregoam de tudo, mas não te acompanham em nada, de tal arte a vida perder o tom, à existência a razão, os enamorados a esperança e a fantasia o encanto, por tudo, em função do nada, pincelado num auto-retrato meu/teu/nosso, alcunhado pela verve da cronista como auto-boicote, em que “(…) nossos olhos e corações, de tão aflitos, só enxergam e sentem angústias, tristezas e decepções… De modo a só valorizarmos o que de menor valor existe em nossas vidas, o que vai nos deixando amargos e frios… Ao ponto de, às vezes, questionarmos o que de mais belo existe dentro de nós, como a família e os amigos e, por outra nos fazendo, até mesmo, achar errado ser romântico, sensível, generoso, zeloso, amável… Apaixonado, daí não se compreender, porque outras pessoas, a quem permitimos fazer parte de nossas vidas, dizem sentir-se sufocadas, incomodadas, por serem alvo de nossa dedicação!

Como pode? É, mas pode… A palavra que estas pessoas não encontram para definir o que sentem, talvez, seja “culpa”. Culpa por saber que não merecem tanto amor… Por não gostar de si mesmas ao ponto de presentear-se com amor de alguém… Por estas e outras, é que deixamos de contemplar um lindo pôr-do-sol, a alegria do sorriso de um filho, de um sorriso ou de uma criança que nem conhecemos e que passa por nós instintivamente, nos mostrando aquelas “covinhas” que iluminam o dia de qualquer um.

De ganhar um carinho que só pai e mãe sabem dar, de passar um tempinho a mais ouvindo aquelas histórias que, já ouvimos um monte de vezes, mas que vó e vô contam como ninguém. De receber um beijo, um afago, um olhar de alguém que, de verdade, está apaixonado por você, e o melhor: gosta exatamente como você é… E que no fundo também te interessa, mas que inconscientemente você afasta… De aceitar a ajuda e conselhos dos amigos de verdade… Por quê? Será que temos sempre que nos sentir atraídos por quem não nos quer? Será que fizemos algum pacto com a infelicidade? Por que teimamos em querer quem não nos faz feliz? Pode até se ter um dia, mas nossa vida é hoje, o agora! Portanto, abandone e esqueça tudo que te impede de viver bem, e que, portanto, não tem valor.

Permita-se assistir o sol se pôr, aos colos de pais e mães, às doces palavras de nossas avós, dormir e acordar com alguém que de verdade adore seus beijos, carinhos e demonstrações de afeto e que valoriza e retribui isso… A descobrir quem são nossos poucos e verdadeiros amigos, àqueles em que podemos confiar… E viver nosso presente, como realmente merecemos… Felizes!”

Em tempo:

Ao perguntar ao garçom se aquela “figura” que estava comigo era frequentadora do ambiente, obtive como resposta: – “o senhor estava só, com dois copos de uísque na mão. Não tinha mais ninguém”. Calei-me.

P.S. O autor do texto também não estava identificado.

*Wagner Gomes é renomado advogado do Amapá, radialista, militante cultural e amigo deste editor. 

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