O Mestre da Tocha e a gratidão do jovem compositor – Crônica de Fernando Canto

13418882_10204674595983550_7089902164641045595_n
Hernani Victor Guedes, cercado pela família, conduzindo a Tocha Olímpica – Macapá – 17 – 06-2016 – Foto: Jaezer Dantas

Crônica de Fernando Canto

Hoje vi na tel72b22d4e8f3c8ad50e917eefcb11a34d531cd5a8evisão o apresentador Huck fazendo surpresa a um jovem compositor desconhecido. Uma dupla de cantores famosa fez os arranjos e cantou sua música no programa, prometendo que a gravariam. Foi algo sensacional, pois o jovem se emocionou e agradeceu. Olha, fazia muito tempo que eu não via TV aos sábados! Eu também me emocionei pelo trabalho da produção e pelo reconhecimento do talento do rapaz. Foi a realização do sonho dele, que na sua humildade o partilhou na plateia com a namorada.

Dois dias atrás eu já havia me emocionado com a disposição do seu Hernani Victor Guedes, que aos 93 anos conduziu a tocha olímpica nas ruas de Macapá, juntamente com mais de cem atletas. Eu acompanhei tudo pelas redes sociais e nem quis me meter na mais imbecil polêmica do século que já vi no Amapá, aliás uma imbecilidade de proporções olímpicas, sobre os condutores e acompanhantes da tocha. crise-das-oligarquias-imagens-10-638-300x180Mas que cada qual enterre suas posturas anti- amapaenses em seus flaites peludos e fique com suas derrotas políticas antecipadas dentro dos seus armários de ouro. É verdade que muitas vezes há injustiças nas escolhas de nomes para representar um povo. Nem sempre os critérios são iguais. Mas certamente a tentativa de acertar superou o desejo de fracasso, para o desespero de uma minoria insignificante.

Os Mocambos (1972)
Passada essa tentativa triste de boicotar o evento, eu só queria levar meu pleito de gratidão ao seu Hernani, e dizer o quanto ele foi importante na minha vida, posto que ninguém é só importante para um lado da pessoa. Se o foi no lado artístico atingiu em cheio toda a minha personalidade individual e social. É como um médico que ao curar uma parte do corpo colabora para o corpo em sua totalidade. Ao lembrar o compositor que me referi acima, lembro também que conheci seu Hernani quando acompanhei ao violão a sua música “Declaração”, interpretada por Manoel Sobral, e que ficou em segundo lugar no III Festival Amapaense da Canção, no Ginásio Coberto Paulo Conrado, em 1971. Esse ano foi minha estreia como compositor. Concorri com “Laguinho, Laguinho, Laguinho”, samba feito em parceria com Odilardo Lima. A música “Balada de Amor e Dor” de Isnard Lima e Nonato Leal ganhou o primeiro lugar, com a inesquecível interpretação de José Maria Silva Santos, que mais tarde viria a ser o conhecido cantor internacional Jomasan.

Os Mocambos na fortaleza

No ano seguinte ganhei o segundo lugar nesse mesmo festival, ocorrido no auditório da Rádio Difusora de Macapá, interpretada e depois gravada por Jomasan no conjunto Os Mocambos, liderado por seu Hernani. Integrei o grupo como guitarrista-base. No dia que estreamos na saudosa Assembleia Amapaense, todos elegantemente vestindo paletós, o violinista Hernani também superelegante no seu smoking, fez uma pausa, pediu que acendessem as luzes e anunciou que gravaríamos um LP em Macapá. R-5963795-1407531772-2556.jpegSolicitou a todos para sentarem que ele mostraria uma das músicas do repertório a ser gravado. E o conjunto atacou com “Devaneio”, cantada pelo Jomasan, na época o nosso querido “Zé Maria Vaca Preta”. A plateia gostou e pediu bis. Após os aplausos ele me puxou lá de trás dos outros componentes do grupo, já que era guitarrista-base, e me apresentou como o compositor da música. Quando viram aquele moleque cabeludo, magro, imberbe e tímido, de 17 anos sendo puxado pelo líder do grupo para ser apresentado à sociedade como uma debutante, aplaudiram demoradamente. Eu não sabia o que fazer e me emocionei muito. Nem sei se agradeci os aplausos. Ainda bem que logo acenderam a luz negra e o grupo recomeçou a festa. Quando ela acabou eu “saí com beira”, junto com a minha timidez. Depois 13450111_623707031129705_4392815613256574479_ndisso era sempre cumprimentado pelos que estavam no baile. E assim a vida seguiu.

Após 45 anos de convivência com o seu Hernani, que sempre me incentivava a ir para Belém estudar, mormente no ano na Operação Engasga, vi suas fotos na internet conduzindo a tocha olímpica em Macapá e fiquei muito contente. Não pela proeza da sua idade avançada, mas pelo respeito que tiveram com esse cidadão que foi atleta, formador de músicos e fomentador da cultura quando pouco havia de cultura e arte a fazer e a participar, e sobretudo de viver disso na nossa terra. A gente vivia mesmo era de brisa.

Eu não sei o que oOs Mocambos (1972) jovem que foi tomado pela surpresa diante das câmaras de TV vai fazer. Espero que ele consiga viver como compositor, pois hoje isso é possível. E reitero que me emocionei com o quadro, pois me vi no lugar dele.

Eu me vi, sim, como naquele sábado no pequeno palco da Assembleia Amapaense, em 1973, onde o inesquecível Hernani Victor Guedes, anunciou a música de minha autoria e a acompanhou com seu violino melodioso. Tocou com a habilidade de um Paganini, viajando entre os acordes mágicos de uma partitura invisível e sagrada, na qual seus sonhos – e os meus – voavam presentes àquela hora, e que depois foram sendo realizados pouco a pouco. Obrigado, mestre Hernani.

Fernando Canto – Fortaleza, Benfica, 18.04.2016

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *