O novato – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Eu notei que a bola que Edson Sampaio chutou sem querer nele deixou uma marca colorida no seu braço.

Quando terminou o jogo, fomos à quadra de bocha onde fica o bar do clube, como de costume, tomar umas cervejas e jogar conversa fora. Ele tomou banho e foi logo embora. Como era o primeiro domingo dele no meio do nosso grupo, Diniz, Catarino, Rodrigo e Robertão, atribuíram esta pressa à falta de entrosamento com o resto dos meninos.

Nos outros domingos foi mais ou menos igual. Jogava bem. Jogava bem no meio do campo, distribuía a bola, não reclamava de voltar para ajudar a defesa e quando o sol esquentava muito, cansado, mas não suado, pedia substituição. Entravam os que habitualmente chegavam atrasados. David, Thales, Cristiano, Junior, Jadson e Léo.

A única coisa estranha era quando ele interrompia o jogo para dar conselhos sobre o uso de brinco, pulseiras, piercing e outros apetrechos usados por nossos jogadores durante a partida. Queria evitar ferimentos. Pensei.

De outra feita, Pedro e José chutaram dois rebotes que pegaram nas suas costas. Ficou um pouco tonto. Sentado na quadra. Dododo correu para apanhar o spray analgésico. Suspendeu sua camiseta e foi quando eu vi de novo a repetição das marcas coloridas. Eram como se no local a pele houvesse sumido e um estranho tampão luminoso ocupasse o seu lugar. Parecia o centro de um olho de peixe, colorido e furta-cor. Podia parecer como uma tatuagem, mas aos meus olhos acostumados a feridas, cicatrizes, abrasões, queimaduras e outras mil formas de perda de pele. Não era.

Era como se ele carregasse sob a pele muitas lampadazinhas fosforescentes de cores diferentes em um mesmo local. Observei que o jato spray do analgésico como que evaporou quando caiu sobre a região brilhante. Carneirinho e Gardenal o carregaram para fora da quadra. O jogo continuou.

Naquele mesmo dia, assim que ele deixou o banheiro, eu entrei. Mesmo sem acender a luz eu notei um brilho próximo ao ralo. Parecia que tinham jogado mercúrio, algo líquido que escorreu deixando um rastro luminoso. Derramei bastante água. Até mesmo urinei sobre a mancha. Fui para a mesa com o resto da turma e esqueci. Soube, então, que meu filho havia apanhado as chaves do meu carro e fora levá-lo de carona. Aguardei que meu filho retornasse e fomos embora. Perguntei se ele, o novato, estava bem. Junior disse-me que quando o levou ele estava arfante e pouco falou.

Atribuí ao sol muito forte, sob o qual jogamos, sem substituição nenhuma.

Ele quis ficar próximo ao Mercado Municipal, onde o Tamanduateí cruza o Tietê, sobre aquela ponte. Olhei para o Junior, intrigado. Por certo morava por ali.

Desse domingo em diante, nunca mais veio jogar. Ficamos preocupados, mas agora, já seis meses transcorridos, o fato foi esquecido. Nunca descobri quem o convidou para jogar conosco. Vai ver que apareceu por lá à toa e o convidaram para completar o time.

Atirei fora o frasco de analgésico spray.

Desde aquele domingo, tenho lavado o carro muitas vezes, mas permanece forte um cheiro de amônia.

*Do livro de Contos Antena de Arame – Rumo Editorial – Segunda Edição – 2018 – São Paulo.

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