O olho do xamã – Por Mayara La-Rocque

Por Mayara La-Rocque

O olho do xamã

Certa vez, em uma dessas vias da realidade que mais se aproximam aos terrenos do sonho, eu perguntei a um Xamã por que razão estrelas e peixes vagueiam ao redor, por que de cântaros umedecidos sobrevivem as cigarras e chacoalham gélidos os roncos dos sapos, por que percorrem lácteas as vias do imaginário, um céu breu a nos espreitar? Por que de pó se desfaz as cinzas da memória e se eleva em fumaça o desejo que não se alcança, por que arranha o peito a falta de alguém que não chega e quando chega já fomos embora há tanto tempo percorrendo uma hera de lágrimas e sorrisos, por que de ciganas se seguem as danças, sem paradeiros nem rastros? Por que é tão forte o silêncio? Poderia ser mais baixo, poderia ser mais mudo, acontece que quanto mais embaixo mais perto das plantas e da terra, e mais afundo o coração. E quem foi aquele ou aquela que inquiriu ao coração um querer de pedra que lateja e quebra e levanta de tanta queda, um voar de pluma que canta o pássaro sobrevoando o rio? E, além do mais, por que o rio e os mares também? Que sina é essa a das águas, que trazem em seu leito rabos de peixes em corpos de mulheres, pérolas, conchas, recifes, corais e cantos longínquos, o som e o princípio do mundo na boca das baleias, o mergulho alado dos cavalos, as redes, as pescas, o homem e o cais. Por que é nele que mora a saudade e se despe a solidão?

Já avistei ao longe a solidão em uma ave de rapina, no olho de um gato, na manhãzinha da infância, no suspiro cheio de sono, no estômago vazio, no beijo secreto dos amantes, no gozo, no choro. Continuei tanto tempo a indagar, vim de muito longe, percorri léguas de mistério para saber o por quê. Por que de tão altas essas árvores parecem escrever sobre nuvens, em que línguas elas falam, por que adentro a floresta acende o lume dos insetos, e também as salamandras, as fadas, os duendes, os babuínos de três olhos, seres e reinos desses que se dizem encantados… Por que, afinal, eles existem?

Calei-me frente ao olhar do xamã. Nesse instante, era como se tudo serenasse no centro de sua pupila. Respirar era o mesmo que escutar a sua voz que ecoou e me atravessou como um silêncio de mata, devolvendo como resposta, outra pergunta:

_ Por que TU existes?

*Mayara La-Rocque é paraense, educadora, escritora. Publicou a plaquete literária “Uma luminária pensa no céu”, pela Editora Escriba, em 2017. (além de velha amiga minha e colaboradora deste site).

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