O PESO DAS FERRAMENTAS – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Às vezes uma pequena frase, dita sem querer ao vento da incerteza, uma historinha boba contada num bar nos deixam uma lição incomparável sobre fatos e coisas da vida. Elas se apresentam descuidadas por trás de uma aparência inócua, despretensiosas, mas fortes, cheias de si. Elas se agarram como carrapicho da capoeira, nas meias e barras da calça e são como aquela musiquinha que de repente entra na cabeça e sem que percebamos ficamos cantarolando ou assobiando o dia todo.

Outro dia um amigo, exímio contador de piada, contou uma história a um grupo de pessoas que riram bastante do final. Tratava-se do seguinte: num desses desertos longínquos, realizaram uma aposta para ver quem ganhava uma corrida de camelos. Muitos se inscreveram com seus respectivos animais dispostos a ganharem o polpudo prêmio que consistia em baús cheios de ouro, terras com oásis, cavalos e dançarinas. Vieram os preparativos e os camelos foram acariciados e enfeitados. Mas foi somente na hora de iniciar é que ficaram sabendo as regras da corrida: o vencedor seria aquele animal que chegasse por último. Uns desistiram, aborrecidos com aquela maluquice, e saíram jogando impropérios aos promotores da corrida que eram uns xeiques não muito bons da cabeça, mas muito ricos. Outros ficaram pensando como resolver a situação porque as regras colocadas eram claras e havia algumas que não permitiam aos concorrentes cometer crimes ou serem desleais. Então resolveram contratar um sábio para orientá-los como solucionar o impasse e correr atrás da preciosa premiação. O sábio lhes disse que tudo era muito simples, bastava cada um montar o camelo do outro.

Em outro dia fiquei sabendo de uma pequena história que mais se assemelhava a uma lição de moral: certo adolescente, excelente aluno, de uns tempos para cá mudou completamente o comportamento, tornando-se relapso, sem gosto para continuar os estudos, gazeteiro e desobediente. Estava irreconhecível, um desgosto para os pais que não mediam esforços em lhe incentivar. Porém, ele não queria nada de escola. Foi então que o pai lhe convidou para passar uns dias no terreno da família, no interior. Lá o menino tomou banho de rio, pescou, colheu os frutos do pomar e se divertiu como nunca. O pai observou-lhe as atitudes, pois conhecia o filho e sabia que ele poderia voltar novamente a ser um bom aluno, pelo menos acalentava esse sonho, mas ele parecia irredutível. Numa dessas manhãs de chuva fina e friazinha, o pai chamou o menino e lhe mostrou em cada mão uma ferramenta. À esquerda uma enxada e à direita uma caneta. Perguntou-lhe: – Qual é a que pesa mais? Faça a sua escolha.

Não quero com esta crônica ensinar moral ou lição aos outros. Desejo, sim, apenas mostrar que sempre precisamos de pessoas mais vividas para nos mostrar o lume que a vida teima em nos oferecer para irmos atrás dos nossos tesouros escondidos nas inúmeras oportunidades que ela dá. Verdade que muitas vezes temos que andar no camelo dos outros da mesma forma como montam os nossos até sem nosso consentimento. E a vida não é somente uma corrida, mas uma questão de escolha que se desmonta diante do vislumbre, além da realidade. Escolher as ferramentas não é tão importante, mas aprender a usá-la, sabendo o seu poder e peso é que faz a diferença.

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