O Resumo da Ópera (uma história de jornalismo) – Por @WalterJrCarmo

Durante três dias dedilhei uma Olivette no escritório da Construtora Carmo , em Belém. Trabalhava no resumo da peça teatral do magistral escritor amazonense Márcio Souza: A Maravilhosa História do Sapo Tarô Bequê, a ópera sobre uma lenda da floresta com animais e humanos nativos, onde o Urubu Rei era o grande tirano pretendente a dominar e comandar e o Sapo Tarô-Bequê, o paladino ecológico descarado, ladino e libidinoso.

Era o ano de 1977, eu havia feito um curso profissionalizante de teatro e cursado engenharia civil no Rio de Janeiro e agora estava de volta a Belem, onde havia conquistado a classificação no vestibular da UFPA. Matriculado, de férias, aguardava o início das aulas.

Assistindo o Jornal Hoje, da TV Liberal, vi um anúncio de um grupo de teatro recrutando atores para uma peça épica, uma ópera amazônica.

“Há muito tempo, no início do mundo, depois do sereno e do orvalho, choveu muito…

Do alto do rio Negro, Amazonas ecoa uma lenda: Tarô-Bequê é sapo e é gente!”

Era uma ópera longa que exigiria um investimento muito alto. Foi esta a conclusão que o diretor João Mercês, o Ronald Junqueiro, o Luis Pardal e outros, cchegamo após alguns ensaios. Uma das saídas seria resumir o roteiro.

“Convencendo Cainhamé de que era bom ser gente, o sapo virou humano e ainda encontrou uma moça, Juriti, para namoro…

“Teria que ser igual aos outros homens…” Agora toda vez que o verão rega as doces frutas com as poucas águas de agosto, Cainhamé se lembra da estória de Tarô-Bequê e suas aventuras com monstros, mitos e os encantamentos da floresta.”

As aulas da faculdade iniciaram e eu acabei não participando da peça, mas graças ao resumo do roteiro recebi um convite do Ronald Junqueiro para fazer um teste como redator na TV Liberal. Ele era o redator-chefe do Jornal Hoje, edição local.

Comecei redigindo notas para o Hoje. Na época, a TV Liberal possuía quatro telejornais: o “Bom Dia Belém”, “Jornal Hoje” e “Jornal Nacional”, edição local, e o “Jornalismo Eletrônico”.

O “Jornal Hoje” era apresentado pela Vera Cascaes e pelo Alex Fiúza de Melo. Tinha uma coluna social, apresentada pela Vera Castro. O “Jornal Nacional” trazia a dupla Aldo e Francisco César. Possuía um quadro chamado “O Bolso do Repórter”, apresentado pelo Joaquim Antunes. Após os telejornais, eu recolhia também os filmes com as reportagens, rebobinava e os enviava para o arquivo.

Naquele tempo, as matérias eram filmadas em 16 milímetros. A TV Liberal possuía duas Câmeras RCA e um laboratório, onde os filmes eram revelados. A maioria das matérias era em preto e branco. Só as reportagens especiais eram filmadas em cores. Os filmes eram montados em uma moviola de dois pratos, em que o Nélio e o Sávio Palheta faziam loucuras.

Era tudo ao vivo e artesanal. As matérias chegavam ao complexo exibidor aos pedaços. A abertura de video do repórter em um rolo de filme, o off em cartucho, as imagens que cobririam o off em um outro carretel, a entrevista em um carretel separado. As legendas eram preparadas em cartão preto, focalizadas por uma câmera e sobrepostas na imagem por meio de uma mesa de corte. Cada nome, uma cartela. A edição era feita com o jornal no ar. O Nélio Palheta, como um maestro, ia montado o quebra-cabeça. Um erro e todo o trabalho de um dia inteiro estaria comprometido. Haja adrenalina.

Um dia, na ausência de um repórter, fui convocado para cobrir o caso de um advogado acusado de assassinar a esposa, também advogada. O caso teve uma enorme repercussão na época.

Fui ao local do crime. Fizemos o registro. Soubemos que toda imprensa policial estava na porta do pai da vítima, um desembargador muito conhecido. Rumamos para lá. Ao chegar notei que toda a imprensa não havia conseguido passar pela portaria. Falei para o nosso cinegrafista: – Vou lá! Me espere no carro. E ele retrucou: “Walter, você não terá a menor chance. Aí estão os melhores repórteres policiais de Belém. Se eles não conseguiram entrar, você também nao irá conseguir.”

Fui passando no meio dos jornalistas: Ítalo Gouveia, do Jornal O Liberal; Adamor Filho, da Radio Marajoara e outros ícones do jornalismo policial. Eles eram conhecidos, eu não. Cheguei na portaria e falei ao porteiro: estou aqui em nome do seu Rômulo Maiorana e tenho uma mensagem do Grupo Liberal para o desembargador. O porteiro me olhou de cima a baixo – estava de terno – e me autorizou a subir.

Nervoso apertei a campainha do apartamento. A porta se abriu parcialmente, presa por uma corrente. Repeti a mesma história e a porta de abriu. Fui conduzido à sala de visita. Instantes depois surgiu o desembargador com rosto inchado e os olhos vermelhos revelando que havia chorado muito. Repeti a história: estou aqui em nome do seu Rômulo para lhe prestar a nossa mais profunda solidariedade e colocar o grupo Liberal à sua disposição. Caso,o senhor queira, o jornal, a rádio e a TV estão à sua disposição. Um silêncio ensurdecedor tomou conta do ambiente. Acrescentei: caso o senhor queira fazer um desabafo na TV… Ele me interrompeu e disse: – Eu quero!

Sai às pressas. Chamei a equipe no carro. Passamos pela portaria e subimos sob os protestos dos ícones.

Gravamos a entrevista. Entre lágrimas, o desembargador fez um desabafo emocionado e emocionante. Agradeci e saímos correndo para TV.

A matéria programada para o Jornalismo Eletronico das 22h, foi a reportagem principal do Jornal Nacional, edição local, o mais importante da emissora.

No dia seguinte o Jornal O Liberal estampou na capa a manchete da entrevista do desembargador, ilustrada com a foto retirada do fotograma do filme da nossa tepirtagem.

Foi a minha primeira matéria como repórter.

Na mesma noite da façanha. O jornalista Rômulo Maiorana montou uma equipe do jornal, da rádio e da TV Liberal. O meu nome estava na pauta como repórter da TV. O objetivo era sair à caça do acusado que estava foragido e encontrá-lo antes da . Eu iria trabalhar com os ícones do jornalismo policial. Mas essa é uma outra história. Em breve vou contá-lá.

Walter do Carmo Júnior – Jornalista e publicitário. 

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