O VOO – Crônica de Evandro Luiz

Crônica de Evandro Luiz

O engenheiro Gustavo Meirelles, mineiro de 25 anos, tinha acabado de se formar. Estava ansioso para entrar no mercado de trabalho. Distribuiu currículo em várias empresas. Passaram-se meses e nenhuma resposta de emprego.

Resolveu abrir o leque de opções de trabalho. Na faculdade onde estudou era bem conceituado. Era tido como uma pessoa responsável, inteligente e bastante sociável. Uma semana depois da visita, recebeu da faculdade a proposta de trabalhar como professor de cálculo.

Ele não pensou duas vezes. Aceitou na hora. Agora Gustavo sabia que suas economias, prestes a entrarem em colapso, tomavam um novo folego. A faculdade em que trabalhava não ficava tão longe de onde morava, pegava apenas um ônibus para chegar ao seu destino.

Gustavo Meirelles vivia em modesto apartamento na zona leste da cidade. Do lugar fazia apenas uma reclamação: bem em frente do Asteróide, como gostava chamar o apartamento, havia uma parada de Ônibus. Os veículos, quando iam dar partida, o motorista pisava fundo no acelerador. Além do barulho, saia também uma fumaça preta. Quando ia parar para o passageiro descer, o barulho era outro: um apito saia das entranhas do motor, como se fosse de uma pessoa que estivesse pedindo socorro de noite depois de um naufrágio.

Para conviver com esse problema, desenvolveu uma técnica: como o intervalo entre um ônibus e outro era de aproximadamente cinco minutos, ficava escutando, se concentrando no barulho do motor e o apito que vinha do freio. Assim em poucos minutos, entrava em um longo sono profundo. E assim se passaram dois anos.

Durante esse período conheceu Fernanda Campos. Ela tinha 23 anos de idade e dava aula de filosofia. Mesmo com as diferenças nas ideias, o respeito os levou ao namoro. Ele, um pouco mais exigente, queria morar em um lugar melhor; ela concordou e, ainda assim, Gustavo e Fernanda queriam mais. Queriam, principalmente Gustavo, trabalhar na área de engenharia. Voltou a distribuir currículo, agora nas grandes empresas. Em uma sexta-feira, quando ia saindo do prédio, encontrou o carteiro, que foi logo dizendo: Tem um envelope aqui para o senhor.

Com as mãos trêmulas, recebeu a correspondência e muito nervoso abriu o envelope; e o sentimento foi o mesmo quando passou no vestibular. O aperto no peito era de muita alegria.

Retornou ao apartamento e contou a Fernanda. Os dois estavam muito felizes. Agora, disse Fernanda, podemos pensar em comprar um lugar só nosso. Nesse dia foi feriado na casa do casal.

No meio de tanta alegria, Gustavo não leu toda a correspondência. Lá ele era informado: a vaga de engenheiro de mina era dele. Deveria ir ao escritório da empresa apresentar toda a sua a documentação; lá ficaria sabendo o dia da viagem, e assim pegar o bilhete. Curiosos por saber onde Gustavo iria trabalhar, ele e Fernanda foram até a representação da mineradora.

A descoberta de uma jazida de tantalita – um minério bastante valorizado e aplicado na indústria eletrônica – ia possibilitar cerca de 1500 empregos diretos. O minério foi encontrado no extremo norte do país, no meio da floresta. O contrato entre a empresa e governo federal, dava à mineradora 50 anos de exploração da jazida.

Com o bilhete de passagem em mãos, Gustavo Meirelles tinha dois dias para decidir se ia ou não.

Quando Fernanda soube o lugar onde Gustavo ia trabalhar, foi taxativa: Pra lá eu não vou. Ele tentou convencê-la de que lá estava a oportunidade que ele tanto esperava. Iria trabalhar na profissão em que tinha se formado, teria um bom salário e pela primeira vez iria viajar de avião. Tudo se encaixava.

Ainda assim, Fernanda não arredou o pé. Já tinha decidido que não ia sair de uma grande metrópole para ir viver no mato.

Gustavo perguntou se ela estava colocando um ponto final no relacionamento. Ela disse que não iria responder, mas a decisão que ele tomasse é que iria definir o destino deles. Até o dia da viagem ficaria na casa de uma amiga.

Foram dois dias longos para o casal. Com as malas prontas, ele pegou um Uber, foi direto para o aeroporto. Fez o check-in, sempre olhando para trás. Sentia vontade de vê-la o impedindo de viajar. Não foi o que aconteceu.

Ao entrar na aeronave deu mais uma olhada. E nada. Ela preferiu o conforto de uma cidade grande do que viver no meio da floresta. O avião decolou; ficava para trás um grande amor que não resistiu às diferenças entre eles.

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