Os sonhos podem esperar – Crônica de Evandro Luiz

Crônica de Evandro Luiz

Havia 20 anos que os irmãos, Saul Weiner, de 39 anos de idade, Saulo, com 34, e Josué, com 30, não visitavam o pai na fazenda de búfalo na ilha do Marajó. Salomão, patriarca da família Weiner, era português. Mandou os filhos para estudarem na terra natal. Depois de formados, eles preferiram ficar na grande metrópole.

Foto: Revista Portuária – Economia e negócios

Os três engenheiros trabalhavam no porto de Lisboa, o mais movimentado do país. Salomão construiu no meio da selva uma pousada de luxo. Tinha piscina com água morna, pesca esportiva e caça ao porco do mato. Era tão caro que a maioria dos hóspedes era de estrangeiros, e como dizia Francisco, capataz da fazenda, só quem tinha lastro financeiro para permanecer naquele local eram os gringos.

Foto: Mayk Alves

Para os serviços domésticos, Salomão Weiner aproveitou e contratou a mão-de-obra local. A região era rica em buriti, uma árvore que dava um fruto do qual se aproveitava tudo. Um empresário de Teresina, Piauí, era quem monopolizava o comércio desse produto. A saca da fruta de 60 quilos, por exemplo, era trocada por seis latas de leite. E tinha ainda agricultor que não conseguia pagar a dívida. Foi aí então que Josué Weiner percebeu o potencial da fruta, e o serviço análogo à escravidão a que os catadores de buriti eram submetidos. Ele não só incentivou, mas também ajudou a comunidade a criar uma cooperativa.

Foi construída uma fábrica para extrair todo o potencial da fruta. Com o buriti se podia fazer doces, extrair o óleo de cozinha, cosméticos, ração para animais, servia também como pasta medicinal. Em uma manhã do dia 29 de fevereiro, a fábrica foi entregue à população daquela comunidade. É comum os povos da floresta serem supersticiosos. Muitos não gostaram do dia da inauguração por se tratar de uma data que só aparecia no calendário a cada quatro anos. Para eles, o ano bissexto não traz muita sorte.

Durante dois anos a fábrica explorou tudo o que o buriti poderia oferecer. Mas em uma noite silenciosa dentro da floresta, uma sequência de explosões despertou sentimentos não muito bons. Os moradores da ilha acordaram e correram em direção à fábrica. Incrédulos viam seus sonhos virarem cinzas. Chamas de mais de três metros impediam – tamanho o calor – a aproximação dos moradores que tentavam de qualquer maneira apagar o fogo. As investigações nunca chegaram a uma conclusão: se foi um acidente ou um ato criminoso. Durante muito tempo, os moradores se reuniam em volta do que sobrou da fábrica como um ato ritualístico.

Lá foi tomada a decisão de que os homens viriam para uma vila onde estava sendo construída às margens do grande rio uma obra muito grande. Apenas uma mulher, Madalena, faria parte da expedição. Os moradores diziam que ela sabia tudo. Tinha visões e conseguia prever o futuro. Na realidade tudo o que achava relevante ela anotava. A escriba já sabia que existia uma lenda do romance proibido entre uma índia e um filho de capitão do mato.

De repente, do meio de uma névoa, aparece um grande barco azul que deslizava sobre as águas do rio com uma insustentável leveza de quem transporta o amor e a esperança. Quando os barcos se cruzaram, Madalena fechou os olhos, sentiu um frio correr todo o corpo e caiu. Acordou chorando dizendo que a esperança estava indo pra bem longe da vila e que durante um longo período, onde é cultivado o ódio, ranço e vingança, a vila ia caminhar a passos lentos. Atracaram o barco em um igarapé, e viram que o serviço na grande obra era carregar pedras e aí, eles desistiram. Criaram uma pequena vila de pescadores que abastecia o povoado.

Depois de quase um ano na ilha, Saul Weiner e os irmãos Saulo e Josué retornaram à Portugal e deixaram a certeza de que nunca mais voltariam à vila. Dois anos depois que os filhos partiram, Salomão Weiner morreu de pneumonia sentado em uma cadeira de balanço de frente para o grande rio. Ele acreditava que o misterioso Barco Azul a qualquer hora ia aparecer de dentro de uma névoa.

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