Crônica de Ronaldo Rodrigues
Marquei encontro com a solidão
Ela nunca falta. Quando penso que não veio, ela me flagra dentro da caixa de sapatos. Dentro da caixa de fósforos. Dentro do aquário de segurança máxima. E me vem coisas na cabeça. Como será a solidão pra mim? Verde por trás da fumaça? Árvore desfolhada contra uma paisagem de arranha-céus? Nuvem tomando forma na tarde? Resto do navio a me pôr a salvo do naufrágio? Toco de vela rompendo a escuridão? Tartaruga em início de jornada? Canivete cego rompendo o cerco? Cisco no olho da verdade? Raio no céu do desespero? Ciranda cantada nos quintais da infância? Farol centelha lume vagalume?
Não dá trégua. Marca colado. Entristece o mais feliz dos meus poemas. Anoitece de tarde e traz a madrugada no rugido do rush, exatamente ao meio dia. Inunda de tédio a larga avenida. Sangra o horizonte e violenta a violeta.
Minha solidão nunca falha
Pode falhar o goleiro, mas a minha solidão não. E nubla os olhares. Faz crescer cabelo nos pontas dos ponteiros. Alonga a brasa do cigarro. Faz o relógio perder a chance de ficar parado. Acelera a praga que virá nos destruir.
Vende-se uma solidão
Não. Não vou enganar ninguém. Minha solidão não é nova, mas também não é de segunda mão. Não tem muitas qualidades. Aliás, ser solidão é sua única qualidade. Aproveitem a ocasião, mas não estou mendigando. Compre logo essa solidão antes que eu desista de vendê-la ou antes que ela se transforme em outro sentimento. Fome, por exemplo. Aí eu requento a marmita e acabo com ela.