Papo de jacaré – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

– Sabia que eu tenho um jacaré?

“Ah, não! Lá vem esse cara com o papo de jacaré!”, pensou a moça encostada ao balcão do bar. Era a quinta noite seguida que ele puxava o mesmo assunto, com seu jeito bêbado de falar, meio tropeçando nas palavras. Mas ele não era mais chato que a maioria dos frequentadores do bar e ela topou dar trela daquela vez:

– Como é que é? Você tem um jacaré?

– Isso mesmo. Eu tenho um jacaré. Um grandão. Um jacaré-açu.

– E onde é que você aloja esse jacaré, aqui nesta cidade?

– Lá em casa.

– Mas eu sei onde você mora. É um apartamento pequeno, uma quitinete.

Ele sentiu que estava conseguindo, finalmente, emplacar uma conversa e tentou ganhar terreno:

– E daí? Só por isso eu não posso ter um jacaré? É um apartamento pequeno, mas dá pra agasalhar o jacaré direitinho. Se você duvida, vamos lá ver o meu jacaré.

– Olha, cara, eu recebo cantada toda noite aqui neste bar e essa sua história de jacaré é a mais esquisita.

– Que cantada? Eu estou falando de uma coisa séria. Eu tenho um jacaré lá em casa e preciso que alguém vá lá comprovar, pra que as outras pessoas não pensem que é mentira ou loucura minha.

– Eu estou começando a pensar na hipótese de ir ao seu apartamento, mas para com esse papo de jacaré, vai.

– Tá legal. Eu não vou falar mais nada. Mas que eu tenho um jacaré, eu tenho!

– Supondo que esteja falando a verdade, como é que você acomoda esse jacaré numa quitinete?

– A quitinete tem uma sala pequenininha e uma cozinha menor ainda, tudo junto. Eu durmo na sala, num sofá velho, e o espaço mais amplo é o quarto, que fica todo pro jacaré. Você precisa ver como ele fica satisfeito com um quarto só pra ele. Chega a abanar o rabo quando eu apareço, que nem cachorro.

A moça pegou o copo e, de um gole só, matou a bebida. Desceu do banquinho do balcão e fez o convite:

– Eu sei muito bem que esse jacaré é só uma desculpa pra você me levar pra sua quitinete, mas fique sabendo que funcionou. Vamos lá!

Ele, muito satisfeito, conduziu a moça pelas ruas escuras que levavam ao prédio pobre onde ficava a quitinete. Ao chegarem, ela foi logo se jogando no sofá e começou a tirar a roupa. Ele estranhou aquilo e falou meio irritado:

– O que você está fazendo?

– Tirando a roupa, mané! A gente não vai transar? Ou você acha que eu vim aqui pra ver jacaré?

– Foi isso mesmo! Eu lhe trouxe aqui pra você ver o meu jacaré. Eu falo pra todo mundo que eu tenho um jacaré e ninguém acredita. Agora você vai ver que é verdade.

Abriu a porta do quarto e lá estava o jacaré abanando o rabo, que nem cachorro, como ele tinha dito. Ela olhou horrorizada para aquele jacaré enorme – um jacaré-açu – que ocupava todo o minúsculo quarto. Ele, bastante nervoso, quase babando, com os olhos acesos, se dirigiu à moça:

– Agora, você vai dizer pra turma do bar que eu tenho mesmo um jacaré! Que eu não sou doido, como todo mundo diz! Entendeu? Entendeu?

– Tá legal! Eu entendi! Você não é doido coisa nenhuma! Calma!

Ele atendeu ao pedido e se acalmou, falando com a moça com muita gentileza:

– Faça o favor de se vestir. Se quiser ficar, pode dormir aí no sofá.

¬– Mas e você? Onde é que vai dormir?

– Não se preocupe. Vou dormir com o jacaré. Boa noite!

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