Pátria Amada – Crônica de Evandro Luiz

Crônica de Evandro Luiz

A pequena cidade da região era uma das mais bonitas e preservadas do país. Poucas famílias viviam no lugar. Ao todo eram 21. Colinas e planícies se alternavam no olhar de quem visitava o lugar pela primeira vez. Uma área que parecia não ter fim. O lugar ideal para aqueles que buscam a paz de espírito, sossego e tranquilidade. As árvores grandes funcionavam como uma pousada para os pássaros. Era um celeiro de alimentos À noite as aves faziam a última refeição do dia. E logo depois o silêncio reinava na floresta. Mas bem cedo, antes do sol nascer, os pássaros com seus cantos anunciavam um novo dia. Era como se fosse uma oração, um ritual, uma preparação de quem vai semear para que a floresta não tenha fim. A saída deles em revoada era um verdadeiro balé. Um espetáculo de rara beleza. Eles tinham pela frente mais uma jornada de fecundação.

A água que jorrava das montanhas e abastecia os rios, lagos e igarapés era tão límpida que a maioria dos moradores escolhia qual o peixe a ser degustado durante as refeições. E na comunidade havia uma regra que não estava escrita em lugar nenhum. Mas todos a cumpriam fielmente: o que era retirado para o alimento das florestas, dos rio e dos lagos era apenas o necessário. Eles acreditavam que essa era uma forma de manter o equilíbrio ambiental do lugar.

Foi fazendo essa retrospectiva na memória, que desembarcou no Brasil depois de 25 anos, morando na Alemanha, o engenheiro especialista em energia solar, Ednelson Reis, de 58 anos de idade. Viu ao chegar ao aeroporto, da pequena cidade, já não tão pequena, um terminal aeroviário com um pátio para a capacidade para receber até três aeronaves de médio porte ao mesmo tempo.

No táxi pediu para o motorista que fosse pelas ruas mais movimentadas. E assim foi feito. Perplexo pelo que viu, deixou cair uma lágrima, tamanha a destruição desse lugar que um dia serviu de modelo para tantas outras. As águas cristalinas dos rios, lagos e igarapés, foram transformadas em esgoto a céu aberto. A grande área onde passou a infância, agora era um bairro na periferia. O motorista avisou que aquele local era um dos mais violentos da cidade. A casa onde morou um dia estava velha quase caindo.

Ednelson Reis não acreditava no que via. O pequeno povoado tinha sido transformado em um bairro da periferia, sem nenhuma infraestrutura. Pediu para o motorista que o levasse até o hotel. O motorista deu logo um aviso : hotel mesmo só tem um. O resto é só fachada. São verdadeiras ratoeiras. Foi para o hotel. E o que viu o surpreendeu: um hotel que fugia totalmente da realidade do lugar. Em um salão bem grande Os hóspedes pareciam todos familiares. Sentados em cadeiras coloniais, parecia que estavam em outra época.

Mas o que lhe chamou atenção mesmo foi um grupo de senhores em um espaço discreto falando baixo. Deu a impressão que estavam falando de negócios. Entre eles, um rosto familiar, parecia ser o mais jovem do grupo. Um senhor, o qual lhe era dado toda atenção. Mais uma vez recorreu a memória e lembrou que aquele homem era o seu melhor amigo na escola. Quando os dois olhares se encontraram, Leonardo Teixeira, o prefeito da cidade, sorriu e foi ao encontro de Ednelson Reis. Um forte abraço entre os dois, surpreendeu a todos que estavam naquele espaço seleto. Já que aquele homem desconhecido chamava para si todas as atenções. Pediu desculpa e disse que estava cansado da viagem.

Ednelson saiu do lugar com um aperto no peito. No apartamento ,uma garrafa de champanhe e um cartão de boas-vindas. Não conseguiu dormir direito Ao chegar ao refeitório já encontrou as mesmas pessoas. Elas agiam como hienas, esperando há hora certa para apanhar seu quinhão. O prefeito não perdeu tempo mostrou a planta do projeto. Era uma incubadora de médio e pequenas empresas. Os empreendedores receberiam treinamento.

Toda infraestrutura seria sustentada pelo sistema de energia solar. Durante uma semana Ednelson em reuniões explicou os para os técnicos da prefeitura os benefícios da utilização desse sistema. O silêncio foi quebrado quando Ednelson perguntou em quanto estava orça a obra e de onde sairia esse dinheiro? O prefeito, Leonardo Teixeira, sem perder a firmeza como era conhecido respondeu: Valor da obra em sua totalidade chega aos 70 milhões de reais. Parte do dinheiro sairia da educação e a outra da saúde. Somando esses esses dois valores, já ultrapassava o valor estipulado no projeto. E o restante do dinheiro, insistiu Ednelson.

Meu amigo de longas datas, o resto do dinheiro são para cobrir despesas extras, como por exemplo, fazer a tramitação rápida na Câmara de Vereadores. Negociar com a oposição, com as empreiteiras. A dor era cada vez mais forte no peito. Pediu para sair um pouco. Ia até apartamento tomar remédio E. de manhã, de lá estava o prefeito e sua equipe no saguão do hotel esperando por Ednelso. No encontro o prefeito pediu para Ednelson, que ficasse pelo menos uma semana na cidade. Meio contra gosto, ele aceitou. Ele seria responsável por uma nova planta do projeto. Cumprida a missão , não via a hora de sair dali. O lugar bonito da sua infância, os lagos rios e igarapés, já não servem para o banho. Terminava ali um sonho de viver com simplicidade na terra onde nasceu. Mas quis o destino que ele voltasse para Alemanha.

Certa manhã, ao pegar o jornal, a primeira página trazia o prefeito, secretário, assessores todos algemados pela policia federal, O motivo desvio de dinheiro público.  Segundo a polícia, o chefe da quadrilha estava foragido, e possivelmente morando fora do país. Todas as plantas do projeto de implantar o sistema solar na cidade estavam assinadas por ele.

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