Peixe-Tabaco – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Ele colocou a cabeça pra fora d’água e pediu um trago do meu cigarro. Achei bem estranho um peixe pedindo um trago de cigarro. Olhei para os lados para me certificar que estava sozinho na sala e que aquele peixe estava falando comigo mesmo. Encostei o cigarro em sua boquinha de peixe de aquário, esses peixinhos ornamentais que você juraria que fumar jamais passaria pela cabeça de um ser que irradia tanta pureza.

Ele tragou suave e longamente, curtindo aquele momento com muita intensidade. Quando a última baforada saiu e a fumaça já se dissipava, ele mergulhou rapidamente, pressentindo a chegada de alguém, e continuou com seus graciosos movimentos. Esse alguém que entrou na sala foi a minha amiga, a dona da casa em que eu estava. Dona da casa, do aquário, do peixe. Ela me sentiu um tanto desconfiado, como alguém que foi interrompido fazendo algo errado, e me perguntou:

– Você não deu nada pra esse peixe, deu?

Respondi que não, enquanto ela me mostrava uma placa, que eu não tinha visto ainda, acima do aquário. A placa dizia “não alimente os vícios do peixe”.

– É que ele sempre pede alguma coisa para as visitas.

Ah, bem.

Olhei para o peixe, que tranquilo estava e mais tranquilo ficou, me lançando uma piscadela de cumplicidade.

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