PIRA – Conto de Fernando Canto

Conto de Fernando Canto

Meu filho nasceu com uma pequena chama na cabeça e a mãe dele morreu de parto, inflamada. Mesmo assim, à revelia dos nossos familiares (pelo perigo que representava à sociedade, dizendo eles), eu o criei em outra cidade protegendo-o sempre com um chapéu de água que inventei para que ele não fosse discriminado pelos vizinhos nem sofresse bullyng na escola.

Eu vivia solteiro, mas era feliz com o desenvolvimento físico e intelectual do meu filho. Era ele que acendia as fogueiras de nossa rua no tempo das festas juninas. Acendia meus charutos Coyba, que um amigo importador me trazia de Porto Rico e dizia que eram cubanos e nem titubeava em acender o fogão de lenha nos nossos churrascos domingueiros e qualquer coisa que precisasse de fogo. Eu o chamava carinhosamente de Pira, uma alusão à pira dos Jogos Olímpicos.

Mas Pira era um menino levado e gostava muito de ver o rio passar com suas ondas grandes na baía. Ficava encantado com aquilo. Dizia que queria aprender a nadar, que também queria tomar banho de chuva como os outros meninos da sua idade. Mas eu não o incentivava. Sabia que poderia ser perigoso só para ele. Sua chama não podia apagar de jeito nenhum.

Num desses churrascos apareceu a loura Yurgueline, uma gostosona bem brasileira de bunda grande e peitos fartos, indisfarçavelmente siliconada. Não resisti e a cantei. Acabamos na cama.

De manhã acordei sem o cheiro gostoso do café do meu filho. Fui à cozinha e não o vi. Abri a janela e o avistei caído na lama da chuva que caíra à noite toda e eu nem pude perceber.

Eu o levei para dentro e chamei a ambulância. Antes que ela chegasse ele abriu os olhinhos, sorriu parecendo feliz, e acendeu, bem fraquinha, pela última vez sua chama da cabeça.

  • Muitíssimo bom…
    Um conto incluido no que eu chamo de Fantástico Amazônico…
    Terno e incrédulo…habita entre os melhores do Fernando.
    Aplausos…

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