Bardólatra Urubu
Entre o céu e a terra
Há boletos a pagar
Filas para receber auxílio
Emergentes e emergenciais
Solidões
Entre o céu e a terra
As emergências lotam
Na mesma proporção
Dos ônibus lotados
E do cansaço das pessoas
Não há vagas
Nem bares abertos
Aos que sobrevivem
E submergem
À espera
Entre esse céu
E entre essa terra
Há mangas, lixo
E carcaças de gatos
Que apodrecem
Misturando-se à lama
E a resto de asfalto,
Há fome e esperança
Rouca
No vazio das despensas
E geladeiras enferrujadas
Das áreas de ressaca
E das periferias
Entre o céu e a terra
Chove violentamente
Nas penas pretas e sedosas
de um paralisado
E aparentemente sábio urubu
A ave-zona-norte observa,
Do topo de um poste,
Mais coisas que supõe
A tristeza, o precipício
Ou o desespero
De nossa vã filosofia
Júlio Miragaia