Poema de agora: dENTRO DestA cIDADE – Fernando Canto

dENTRO DestA cIDADE

Por dentro da tempestade, por dentro da sombra viva, nasce uma fortaleza ferindo a pele da terra. Ali todo sangue escorre sob o artifício da história. Nenhuma alma se insurge à assassinada memória. Por dentro dessas procelas, por dentro da ventania as vozes são todas soltas, todas as dores frias.

Uma cidade sustenta a construção formidável sob o golpe do chicote ao curso do rio indomável. Uma cidade se lava do pó cravado no rosto sob relâmpagos loucos e um crepúsculo atônito. Uma cidade não dorme por conta de pesadelos que se apequenam nos olhos, que nas paredes se escondem.

Uma cidade se acorda junto com o sol queimante que nasce fervendo a água num horizonte de fogo. Por dentro desta cidade por dentro dos homens duros, cada cor marca um desejo, cada desejo é bruto.

Naquelas casas de taipa, por dentro dos quartos rotos, amores sugam centelhas, odores trafegam fluidos. Por dentro de tantos ventres há um aluguel inadimplente e uma usina de sangue com suas formas de gente.

A dor maior é a do encanto que dentro das almas tristes mundia todas as forças contra o poder da oração. Mas dentro das almas tristes um gesto de amor resiste pelo raio que clareia a vida em renovação. E uma cidade e seu povo, cansados do alumbramento, jogam seus braços n’água para buscar seu sustento.

Fernando Canto

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