Poema de agora: Lundu – Luiz Jorge Ferreira – Macapá 263 anos

Foto: Floriano Lima

Lundu

Macapá não é um lugar de morrer…Nunca ninguém morre em Macapá.
Ou desaparece, ou se encanta ou dobra as esquinas
Ou aparece um dia em forma de praça, grupo escolar, letra de samba,
Apelido ou uma rua qualquer resolvesse se chamar com o seu nome
Ou é visto de terno branco e peito em festa, espalhando sorrisos, em Paramaribo.

Cadê Pedro? Cadê Alípio? Cadê Fernando? Cadê Joca? Cadê “Lua”? Cadê Ipojucam? Cadê Oníria? Cadê Chembenga? Cadê Orlandina? Cadê Graça? Cadê Del? Cadê Oniria? Cadê Luiza? Cadê mestre Lauro Chaves? Cadê mestra Eulalie Brown? Cadê mestra Annie Vianna?

Foto: Chico Terra

Zé Domingos, Maiãbuko, Querubins Blacks, Bilhas D’água vazias de tudo e cheias de nada. Puraqué sem luz, acastanhado, ladainha em Latim no Morro do Sapo.

Cadê? Cadê Sussuarana? Cadê Paulino? Cadê o bloco de meninos “Os Caçulas do Laguinho”? Cadê Lelé? Cadê Quelé? Cadê Biló? Cadê Seu Rô? Cadê Faustina? Cadê a noite na esquina e as louras do Curral das Éguas?

No Outono os cachorros latem atrás da sombra da lua, latem Samaracá.
A igreja ajoelha de manhã todos os dias.
Já cansou-se de rezar.

Os carapanãs bebem água da pia batismal
As libélulas sujas de sal, adoçam o sol

Cadê Munhoz? Cadê Zé Queiroz? Cadê Silva Luz? Cadê Sacuça? Cadê Sacaca?
Cadê Quincas? Cadê “Nossa Amizade”? Cadê “Morra a mãe”? Cadê Avulu? Cadê Mucuim? Cadê eu em mim e tu em nós?

Cadê os sóis desenhados no asfalto?
Cadê as mangas embrulhadas na saudade?
Cadê o Marabaixo? Mar a Baixo, sola de passos.

Cadê o vento com pitiú de peixe, de olhos arregalados, nus nos balcões do mercado? .
Cadê eu? Cadê tu? Franzinos feito meninos correndo desenfreados a galope atrás de pipas, também sem destinos…

Foto: Max Renê

Os dentes de leite marcando a trilha, os passarinhos trocando as penas, o Lóide como um urubu rugindo seus motores. A chuva banhando as flores.

E Deus lá na Fortaleza, com a face molhada pelos respingos d´água que o vento lhe atira, retirados do rio. Ri!

O tempo conversa em aramaico com a vida, talvez sobre lendas, talvez sobre vidas. Talvez sobre trovões roucos e relâmpagos azuis.

Foto: Floriano Lima

Eu converso comigo sobre mim. Um tapuio, um azougue, um espermatozoide afoito, um óvulo ímpar anão. Não sei de nada, não crio nada, não refaço nada, não planto mais que lágrimas, não colho mais que saudades.

Macapá não é paragem para alguém brincar de morrer. Anabu bubu, quem sai é nenhum!

Luiz Jorge Ferreira

*Luiz Jorge Ferreira é poeta e médico paraense criado em Macapá, mais precisamente no Laguinho, radicado em São Paulo. Ele também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de escritores Médicos (Sobrames).

  • Que grande poeta eu encontro aqui com uma saudade que se constroe na busca dos saudosos amigos e na lembrança dos momentos de alegria.
    Muito lindo um vocabulário que muito me impressionou da pluralidade e grandeza de nossa língua vernácula, se construindo dentro da força de sua poesia. Uma veia poética impressionante que retrata as memórias e a beleza que o tempo em um presente procura. Meu bardo e aedo poeta eu te desejo as flores da primavera, e que os momentos sejam retratados pelas suas lindas composições. Sem falar das imagens tão lindas do amigo fotógrafo. Encheu meus olhos poeta. Meus sinceros agradecimentos.

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