O BURACO NEGRO
Noé chamou-me para dentro da Arca
Eu disse “homem, deixa-me cá na chuva.
Um triste fim cabe-me como luva,
Nada mais turva minha vista fraca”.
E renascido em terras habitadas
Por gigantes pequenos de estatura,
Quis saber quem escrevia a escritura
Da história em dor de minhas mãos rachadas.
E já co’o gosto da voz embargada,
Falei aos homens que não têm ouvidos,
Todos, coitados, como eu, perdidos,
Tinham consigo minha boca amarga.
Então cheguei em terras nordestinas!
Vi que dor é regra, mas choro não,
E vi que a fome atroz de cada irmão
Passa roncando em minhas tripas finas.
E segui me alimentando das gentes
Em cada gota a extravasar o pote,
Cada ferida aberta de chicote
Descendo sangue em minhas costas quentes.
Mas na hora de virar a maçaneta,
E abrir a porta para entrar no mundo,
Ainda hei que vencer um fosso fundo…
Buraco negro em minha pele preta.
Ori Fonseca