Poema de agora: Ouça bem o que vou gritar no seu ouvido – Fernando Canto

 


Ouça bem o que vou gritar no seu ouvido

Ouça bem o que vou gritar no seu ouvido:
Este avião segrega a minha dor e sequestra meu desejo.
Mas nem assim tirarei o ranço da mochila pra te machucar nesta viagem.
Sou, bem sabes, um viajante extemporâneo hoje em dia,
Ainda que tenha te seguido em prantos
Por desertos e luas paridas sem orgulho.
Sou estratégia, luta e morte agora.
Um calcanhar de sólido e obtuso aço
A deixar pegadas órfãs de grama ao caminhar.
Por ti gestei palavras e poemas
Ensanguentado de mágoas e lâminas enferrujadas no nosso jardim de amarílis, mas não deixei que mesmo à tua voz renitente a dor fosse objeto de vindita.
Mas ouça bem, porque neste avião a manobra de valsalsa me faz surdo e um surto de angústia povoa meu ser, posta a natureza falsa do cabelo da aeromoça que passa me ofertando um tango e um sanduíche no cartão de crédito.
Tiro da cartola um coelho e um moinho de lágrimas e te digo novamente: ouça-me bem, amore, a minha biografia foi filmada em celular e num segundo milhões de acessos contemplei. Ouça -me: despertei do sonho, da prisão do pesadelo que embalava minha rede branca na varanda. Meu coração já não sofre tanto por ti. Ouça -me. Ouça -me! Você pode me ouvir, sim. O avião pousou. Desembarca. Já!

Fernando Canto

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